A vitamina B12 (cobalamina) é uma das principais vitaminas do complexo B e exerce um papel fundamental no metabolismo celular, interligando-se diretamente ao metabolismo do folato. Sua função como cofator em dois processos enzimáticos é essencial: a conversão de metil-malonil-CoA em succinil-CoA, necessária para a síntese de ácidos graxos e aminoácidos, e a conversão de homocisteína em metionina, imprescindível para a produção de purinas e ácidos nucleicos [1,2].
Figura 1. Absorção da vitamina B12 e sua captação celular.
Legenda: Amn: amnionless; MDR-1: resistência múltipla a drogas, do inglês multiple drug resistance protein; CoA: coenzima A; Cub: cubilina; HC: haptocorrina; FI: fator intrínseco; THF: tetrahidrofolato; TC: transcobalamina.
Fonte: Adaptado de Green, 2017.[2]
Por não ser produzida pelo organismo humano, a vitamina B12 precisa ser obtida por meio da alimentação, especialmente de produtos de origem animal, como carne bovina, peixe, laticínios e ovos. No entanto, a biodisponibilidade da vitamina varia significativamente, estimando-se que apenas cerca de 50% da B12 presente nos alimentos seja absorvida por indivíduos com função gástrica preservada [3].
O processo de absorção da vitamina B12 é complexo e depende, dentre inúmeros outros elementos, do fator intrínseco (FI) produzido pelas células parietais gástricas. A vitamina, ao se ligar ao FI, forma um complexo que é reconhecido por receptores específicos no íleo terminal, onde ocorre a absorção. Uma pequena fração da vitamina B12 pode ser absorvida independentemente do FI, mas isso representa menos de 1% da quantidade ingerida. Após ser absorvida, a cobalamina é convertida em suas formas ativas: metilcobalamina, que atua fora da mitocôndria, e 5'-desoxiadenosilcobalamina, que exerce função dentro da mitocôndria [4].
Relação entre o Uso de IBPs e a Deficiência de Vitamina B12
O uso prolongado de inibidores da bomba de prótons (IBPs), medicamentos amplamente prescritos para o tratamento de condições como refluxo gastroesofágico e úlcera péptica, tem sido associado a um risco aumentado de deficiência de vitamina B12. Esse efeito ocorre devido ao mecanismo de ação dos IBPs, que reduzem a produção de ácido gástrico. O ácido gástrico é essencial para a liberação da vitamina B12 das proteínas alimentares, facilitando sua ligação ao fator intrínseco e posterior absorção no íleo [5-8].
Um estudo de caso-controle analisou 25.956 pacientes com diagnóstico recente de deficiência de vitamina B12 e os comparou com 184.199 pacientes sem essa deficiência. Os resultados demonstraram que o uso prolongado de (IBPs), definido como dois ou mais anos, foi associado a um risco significativamente maior de desenvolver deficiência de vitamina B12, com odds ratio (OR) de 1,65 em comparação aos indivíduos que não utilizavam esses medicamentos (IC 95%: 1,58-1,73). Além disso, o risco foi dose-dependente, sendo mais elevado em pacientes que faziam uso de doses altas de IBPs (OR: 1,95; IC 95%: 1,77-2,15) em comparação com aqueles que utilizavam doses menores (OR: 1,63; IC 95%: 1,48-1,78), com significância estatística para a interação entre dose e risco (P = 0,007)[5].
Em adultos mais velhos, o uso de IBPs, particularmente em doses mais altas, tem sido associado a níveis mais baixos de biomarcadores de vitamina B12, embora o consumo de alimentos fortificados possa ajudar a mitigar esse risco até certo ponto [9].
Medicamentos que Podem Afetar a Absorção de Vitamina B12
Além dos IBPs, outros medicamentos que alteram o pH gástrico também podem interferir na absorção de vitamina B12. Entre esses, destacam-se os bloqueadores ácidos competitivos de potássio (BACPs), como a vonoprazana, e os antagonistas dos receptores H2 da histamina, como cimetidina e ranitidina, amplamente utilizados no manejo de doenças gástricas. Esses fármacos devem ser considerados como potenciais causadores de deficiência de vitamina B12 em avaliações clínicas. Estudos indicam que pacientes em uso prolongado desses medicamentos apresentam um risco significativamente maior de desenvolver deficiência de vitamina B12 em comparação com não usuários [10-14].
Recomendações para Monitoramento e Prevenção
As consequências clínicas da deficiência de vitamina B12 incluem complicações hematológicas, como anemia megaloblástica, e neurológicas, como neuropatia. Portanto, recomenda-se que pacientes em uso prolongado de IBPs sejam monitorados regularmente quanto aos níveis de vitamina B12, especialmente se apresentarem sinais de deficiência [6,15].
Portanto, a monitorização dos níveis de vitamina B12 em pacientes que fazem uso prolongado desses medicamentos é fundamental, especialmente para evitar as complicações associadas à sua deficiência [16]. Além disso, intervenções dietéticas e suplementação podem ser necessárias para prevenir déficits nutricionais em indivíduos de risco.
Referências:
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- Green, R., Allen, L. H., Bjørke-Monsen, A. L., Brito, A., Guéant, J. L., Miller, J. W., ... & Yajnik, C. (2017). Vitamin B12 deficiency. Nature reviews Disease primers, 3(1), 1-20.
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