A constipação crônica afeta entre 11% e 18% da população em geral, sendo uma condição que impacta negativamente a qualidade de vida ao causar desconforto, prejuízo à saúde geral e disfunções física, psicológica e social. Durante a gravidez, esse problema se torna ainda mais prevalente, afetando cerca de 40% das gestantes, com taxas de 24%, 26% e 16% no primeiro, segundo e terceiro trimestres, respectivamente, e 24% nos três meses após o parto. Essa maior incidência está relacionada a alterações hormonais, como o aumento dos níveis de progesterona e relaxina, que reduzem a motilidade intestinal, além da diminuição da motilina e da compressão mecânica do cólon e retossigmoide pelo útero em crescimento. Essas mudanças fisiológicas contribuem para a redução do tempo de trânsito intestinal, agravando o quadro de constipação durante a gestação. [1-3]
O tratamento da constipação durante a gravidez deve priorizar abordagens não farmacológicas como primeira linha de intervenção. O aumento da ingestão de fibras alimentares, seja por meio da dieta ou de suplementos, é altamente recomendado, pois as fibras auxiliam no aumento do volume fecal e na promoção dos movimentos intestinais. Além disso, a manutenção de uma hidratação adequada e a prática regular de atividade física desempenham papéis fundamentais como medidas complementares para aliviar os sintomas e melhorar a função intestinal. [1,4]
Quando as alterações na dieta e no estilo de vida não são suficientes para aliviar a constipação durante a gravidez, pode ser necessário considerar o uso de intervenções farmacológicas. Laxantes osmóticos, como o polietilenoglicol (PEG) e a lactulose, são recomendados devido à sua eficácia e segurança comprovadas nesse período. Esses medicamentos são seguros para gestantes, não teratogênicos, não excretados no leite materno, bem tolerados e não estimulam contrações uterinas, garantindo proteção tanto para a mãe quanto para o bebê. Dessa forma, o PEG e a lactulose se destacam como opções eficazes e confiáveis para o manejo da constipação na gravidez.[3]
Um ensaio clínico randomizado conduzido por Raj VI et al. (2024)[3] teve como objetivo comparar baixas doses de polietilenoglicol 4000 (PEG) e lactulose no tratamento da constipação crônica durante a gravidez.
Materiais e métodos
O estudo envolveu 247 gestantes de 28 a 32 semanas de idade gestacional, que frequentavam a clínica pré-natal do University Malaya Medical Center para cuidados de rotina. Elas foram rastreadas com base nos critérios de Roma IV para constipação crônica, além de outros critérios de inclusão, como o acesso e a concordância em participar de uma entrevista telefônica para acompanhamento e coleta de dados. [3]
Os critérios de exclusão incluíram distúrbios intestinais ou anorretais pré-existentes, diabetes mellitus, doenças da tireoide, náusea e vômito persistentes na gravidez, alergia à lactulose ou PEG, uso atual de laxantes, bem como histórico, ou histórico familiar de metabolismo aberrante de eletrólitos. [3]
As participantes foram randomizadas em dois grupos: Grupo PEG 4000 (N= 124) recebeu uma dose inicial de 10 g de PEG dissolvido em um copo de água, uma vez ao dia. Caso fosse considerado ineficaz após uma semana, as participantes poderiam aumentar a dose para até dois sachês por dia, como uma dose única ou em duas doses divididas; Grupo lactulose (N= 123) recebeu 15 mL (10 g) de lactulose uma vez ao dia. Caso fosse ineficaz após uma semana, a dose poderia ser aumentada para 30 mL (20 g) por dia, como dose única ou dividida. O tratamento foi realizado ao longo de 4 semanas. [3]
As ferramentas utilizadas para a análise do estudo foram:
- O Patient Assessment of Constipation Symptoms (PAC-SYM), um questionário com 12 itens divididos em três subescalas: sintomas abdominais (4 itens), sintomas retais (3 itens) e sintomas de fezes (5 itens). Cada item é avaliado em uma escala de 0 a 4, sendo 4 o mais grave;
- A Bristol Stool Form Scale (BSFS), que classifica os tipos de fezes do mais duro (tipo 1) ao mais mole (tipo 7). Os tipos 1 e 2 representam fezes anormalmente duras, enquanto os tipos 6 e 7 indicam fezes anormalmente soltas ou líquidas. Os tipos 3, 4 e 5 são considerados os tipos de fezes regulares;
- O Patient Assessment of Constipation Quality of Life (PAC-QoL), que avalia o impacto da constipação na qualidade de vida em quatro aspectos: preocupações e inquietações (11 itens), desconforto físico (4 itens), desconforto psicossocial (8 itens) e satisfação (5 itens).
Os desfechos primários do estudo foram: ocorrência de pelo menos três evacuações espontâneas completas (Complete Spontaneous Bowel Movement - CSBM) durante as 4 semanas de tratamento, e uma melhoria de pelo menos 1 ponto na pontuação média geral do PAC-SYM ao final do período de tratamento. Entre os desfechos secundários, avaliaram-se o tempo para a primeira evacuação espontânea completa (CSBM) após o início da administração do laxante, a necessidade de tratamento de resgate, as subescalas do PAC-SYM, as pontuações gerais e subescalas do PAC-QoL, as mudanças na consistência das fezes (medidas pela BSFS), a ocorrência de efeitos colaterais e a interrupção do tratamento devido a eventos adversos. [3]
Foram considerados eventos adversos graves o parto prematuro, o bloqueio intestinal e a desidratação que exigiu hospitalização. [3]
Resultados
Os resultados mostraram que a evacuação espontânea completa (CSBM) foi alcançada por 107 de 124 mulheres (86,3%) no grupo do PEG, em comparação com 102 de 123 mulheres (82,9%) no grupo da lactulose (RR 1,04, IC 95%: 0,93-1,16, P = 0,464). A melhora média na pontuação do Patient Assessment of Constipation Symptoms (PAC-SYM) foi de 62 de 118 (52,5%) no grupo do PEG, contra 44 de 118 (37,3%) no grupo da lactulose (RR 1,40, IC 95%: 1,05-1,88). [3]
Entre os desfechos secundários, observou-se uma diferença significativa no grupo PEG, que apresentou menor incidência de diarreia. As únicas diferenças significativas nos resultados secundários, após o ajuste, foram observadas em relação à diarreia e à consistência das fezes no Bristol Stool Form Scale (BSFS), sendo ambos mais frequentes no grupo lactulose. [3]
Houve um evento adverso grave de uma participante do grupo lactulose que desenvolveu fraqueza muscular sintomática, hipocalemia, hipomagnesemia, rabdomiólise e transaminite grave após 3 dias de uso de 15 mL de lactulose diária. Ela também usava um laxante herbal não declarado e tinha histórico familiar de hipocalemia episódica, possivelmente devido à síndrome de Gitelman, mas não verificado. A participante foi hospitalizada por 23 dias para tratamento com reposição endovenosa para corrigir distúrbios eletrolíticos, porém evoluiu com uma infecção no local do dispositivo intravenoso que exigiu 14 dias de antibióticos. Após a alta, ela teve uma cesárea programada em 38 semanas, sem complicações. O resultado neonatal foi favorável. [3]
Conclusões do estudo
O estudo demonstrou que PEG e lactulona são igualmente eficazes no tratamento da constipação funcional na gravidez. No entanto o PEG foi associado a menos diarreia e fezes muito amolecidas pelo escore de BSFS. [3]
Em suma, estudos clínicos têm demonstrado a superioridade do PEG em relação à lactulose em termos de eficácia e menor incidência de efeitos adversos, oferecendo uma solução confiável para a gestão dessa condição durante a gravidez.[5,6] Assim, é fundamental adotar uma abordagem individualizada no tratamento, levando em consideração a segurança da gestante e do feto, visando a melhoria da qualidade de vida e a saúde intestinal da mãe.
Referências
- Prather CM. Pregnancy-related constipation. Curr Gastroenterol Rep. 2004 Oct;6(5):402-4. doi: 10.1007/s11894-004-0057-7. PMID: 15341717.
- Cullen G, O'Donoghue D. Constipation and pregnancy. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2007;21(5):807-18. doi: 10.1016/j.bpg.2007.05.005. PMID: 17889809.
- Raj VI, Hassan A, Hanafiah N, Azhary JMK, Lim BK, Saaid R, Gan F, Tan PC. Polyethylene glycol compared to lactulose for constipation in pregnancy: A randomized controlled trial. Int J Gynaecol Obstet. 2024 Aug;166(2):828-836. doi: 10.1002/ijgo.15431. Epub 2024 Feb 23. PMID: 38391250.
- Trottier M, Erebara A, Bozzo P. Treating constipation during pregnancy. Can Fam Physician. 2012 Aug;58(8):836-8. PMID: 22893333; PMCID: PMC3418980.
- Neri I, Blasi I, Castro P, Grandinetti G, Ricchi A, Facchinetti F. Polyethylene glycol electrolyte solution (Isocolan) for constipation during pregnancy: an observational open-label study. J Midwifery Womens Health. 2004 Jul-Aug;49(4):355-8.
- Li H, Zhang P, Xue Y. A comparison of the safety and efficacy of polyethylene glycol 4000 and lactulose for the treatment of constipation in pregnant women: a randomized controlled clinical study. Ann Palliat Med. 2020 Nov;9(6):3785-3792.