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O novo paciente digital: como ele busca informações e escolhe seus médicos

A jornada do paciente não começa mais na sala de espera, mas dias ou até semanas antes, no silêncio de uma busca online. O advento do “Dr. Google”, das redes sociais, das plataformas de avaliação e agora das inteligências artificiais (como ChatGPT, Gemini e Perplexity) transformou receptores passivos de cuidados em protagonistas ativos da própria saúde.

Esse novo perfil é o paciente digital, informado, conectado e exigente. Ele busca clareza, personalização e conveniência, atributos que antes não faziam parte do vocabulário tradicional da medicina.

O conceito se aproxima do que Philip Kotler* (2021) descreve em Marketing 5.0: Technology for Humanity: consumidores que, embora altamente tecnológicos, valorizam conexões humanas genuínas, propósito e empatia. Aplicado à saúde, isso significa que o paciente não quer apenas praticidade, mas um cuidado mais humano, transparente e acessível.

*Philip Kotler: economista e acadêmico americano, amplamente conhecido como o "pai do marketing moderno".

Para o médico, essa nova realidade representa uma mudança profunda. A reputação, antes construída pelo “boca a boca” e pela excelência técnica, agora depende também da presença digital ética e consistente. O profissional de saúde tornou-se, ao mesmo tempo, médico e comunicador, e compreender como o paciente pensa e decide é essencial para manter relevância e credibilidade.

O paciente digital: mais informado, mais cético, mais participativo

Segundo o Pew Research Center (2022), cerca de 80% dos adultos já buscaram informações sobre saúde na internet. No Brasil, esse número é ainda maior devido à alta penetração de smartphones.

O DataReportal (2024) mostra que saúde e bem-estar estão entre os temas mais pesquisados por brasileiros, e o IQVIA Institute (2024) destaca o crescimento no uso de aplicativos de bem-estar, dispositivos vestíveis e telemedicina.

Hoje, o primeiro impulso de quem sente um sintoma não é marcar uma consulta, mas perguntar a um buscador ou a uma IA. Essa autonomia digital faz com que o paciente chegue ao consultório com hipóteses pré-formadas, muitas vezes baseadas em fontes não verificadas.

O papel do médico, portanto, evoluiu. Ele continua sendo a principal autoridade científica, mas agora também precisa atuar como curador e tradutor de informação, validando o que o paciente traz do ambiente digital e reconstruindo a confiança com base em empatia e clareza.

A jornada digital do paciente

A jornada do paciente digital é dinâmica e raramente linear. Ela é composta por múltiplos pontos de contato que influenciam a decisão final.

Adaptando o conceito de “Momento Zero da Verdade” (ZMOT), do Google, podemos dividi-la em quatro fases principais.

1. Consciência: o primeiro contato com a informação

Tudo começa com uma dúvida, um sintoma ou uma curiosidade. O paciente busca respostas no Google, nas redes sociais ou em ferramentas de IA generativa. Ele lê artigos, assiste a vídeos, compara opiniões e começa a entender o problema.

Onde ele está: buscadores, portais de saúde (como Tua Saúde ou Medscape), fóruns e ferramentas de IA.

 

Papel do médico: ter conteúdo educativo e ético publicado em sites e blogs próprios. Um artigo bem escrito, com base científica e linguagem acessível, pode ser o primeiro ponto de contato entre o paciente e o profissional.

2. Consideração: a busca por especialistas

Após compreender o básico, o paciente passa da dúvida ao direcionamento. Ele começa a procurar quem pode ajudá-lo.

Comportamento típico: “endocrinologista em São Paulo”, “dermatologista que atende convênio X”, “ginecologista perto de mim”.

Onde ele está: Google Maps, Doctoralia, plataformas de agendamento e redes sociais.

Papel do médico: garantir que seu nome e qualificações (CRM e RQE) estejam visíveis, manter perfis atualizados e um site funcional com informações completas.
Se o médico não for facilmente encontrado, ele simplesmente não existe para o paciente digital.

3. Avaliação: a fase da confiança

Nesta etapa, o paciente compara. Ele avalia perfis, lê avaliações, observa a coerência entre o discurso e a postura do profissional.

Onde ele está: Google Reviews, Doctoralia, LinkedIn, Instagram e YouTube.

O que ele busca: consistência e autenticidade.

Papel do médico: responder com empatia, manter uma linguagem ética e evitar qualquer tom de autopromoção.

A Harvard Business Review (2022) destaca que a confiança digital é construída pela coerência entre o que o profissional comunica e o que entrega. Nesse contexto, as avaliações e elogios de pacientes se tornaram parte importante da reputação online, funcionando como uma nova forma de “prova social”.

O Manual de Publicidade Médica (CFM, 2023) reconhece essa realidade e permite que o médico compartilhe elogios de pacientes, desde que com moderação. É permitido repostar publicações, no máximo duas vezes por semestre (sendo o mesmo paciente), sempre com autorização prévia e sem o uso de adjetivos que indiquem superioridade ou promessa de resultados. O propósito é valorizar o feedback genuíno, não transformá-lo em autopromoção.

4. Decisão: da confiança à conveniência

Depois de escolher o profissional, o paciente valoriza a facilidade. Se o site for lento, o WhatsApp estiver inativo ou o agendamento for complicado, a confiança pode se perder.

Papel do médico: simplificar o contato, garantir links de agendamento funcionais e manter um tom acolhedor e profissional em todas as interações.

A McKinsey & Company (2023) reforça que conveniência e experiência digital consistente são fatores decisivos para a fidelização.

Pontos de contato que constroem (ou comprometem) a confiança

  1. Site e conteúdo educativo
    Um site rápido, responsivo e com artigos educativos diferencia o médico ético e comprometido. O paciente valoriza quem ensina, não quem apenas anuncia.

  2. Avaliações online
    Comentários autênticos, inclusive os críticos, transmitem credibilidade. Responder com serenidade demonstra transparência e cuidado.

  3. Redes sociais com propósito
    O conteúdo deve refletir propósito, empatia e profissionalismo. O médico deve comunicar para educar, não para se autopromover.

  4. Atendimento digital
    Agendamentos simples, respostas rápidas e clareza nas informações são expressões de humanização. A confiança também se constrói na eficiência.

Ética e presença digital

A Resolução CFM nº 2.336/2023 trouxe uma nova visão: o médico pode se comunicar, desde que o faça com sobriedade e foco educativo. Ela autoriza a divulgação de valores de consultas, imagens do ambiente de trabalho e da equipe, além de informações sobre equipamentos aprovados pela Anvisa.

Por outro lado, proíbe promessas de resultados, comparações entre médicos, manipulação de imagens e qualquer conteúdo que possa induzir ao sensacionalismo.

A Codame orienta que a repetição de elogios, a edição de fotos e o uso de expressões superlativas podem configurar infrações éticas.

Em resumo, o equilíbrio está em informar com propósito, educar com responsabilidade e comunicar com empatia.

Checklist: o que o médico deve avaliar em sua presença digital

  • Meu nome, CRM e RQE estão visíveis em todas as páginas e perfis?

  • Meu conteúdo é educativo e segue as normas do CFM?

  • Estou preparado para atender pacientes que chegam com informações vindas do Google ou de IAs?

  • As informações de contato e agendamento estão atualizadas e funcionam bem em dispositivos móveis?

  • Eu monitoro e respondo às avaliações de forma ética e profissional?

  • Minhas publicações refletem minha filosofia de cuidado e empatia?

O novo vínculo de confiança

O paciente digital não substituiu o paciente tradicional, mas transformou o ponto de partida da relação. A confiança, antes construída apenas no consultório, agora começa nas telas.

O médico que compreende essa jornada, comunica com ética e propósito e utiliza os meios digitais como extensão de seu compromisso com o cuidado, amplia o alcance da boa medicina e fortalece sua credibilidade.

Estar presente no ambiente digital não é uma escolha, é parte do dever de cuidar com responsabilidade, verdade e humanidade.

Referências bibliográficas

  • Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 2.336/2023 — Dispõe sobre publicidade e propaganda médicas. Brasília, 2023.
  • Conselho Federal de Medicina (CFM). Manual de Publicidade Médica. Brasília, 2023. 
  • Cetic.br | CGI.br. Pesquisa TIC Saúde 2021 (publicação 2022).
  • DataReportal. Digital 2024: Brazil. 2024.
  • Kotler, P.; Kartajaya, H.; & Setiawan, I. Marketing 5.0: Technology for Humanity. Wiley, 2021.
  • IQVIA Institute for Human Data Science. Digital Health Trends 2024: Innovation, Evidence, and Adoption.
  • McKinsey & Company. Marketing in Healthcare: Improving the Consumer Experience. 2023.
  • Pew Research Center. Health Information National Trends Survey (HINTS). 2022.
  • Docplanner (Doctoralia). Jornada do Paciente Digital: Tendências no Mercado Brasileiro. 2023.
  • Harvard Business Review. Trust and Ethics in the Digital Era. 2022.
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