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Intolerância à lactose em crianças

DEFINIÇÃO

A intolerância à lactose é a forma mais frequente de intolerância a carboidratos em crianças1. Diferentemente da alergia à proteína do leite de vaca, que é uma reação alérgica a proteínas, a intolerância é a incapacidade de digestão do açúcar do leite, com seu consequente acúmulo e fermentação no intestino2.

A confusão entre as duas entidades leva ao diagnóstico errôneo e ao manejo dietético inadequado, com a restrição do leite em crianças e seus possíveis desfechos nutricionais adversos3. (Figura 1)

As principais intolerâncias a carboidratos estão na figura 1.

FODMAP: oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis.

Figura 1. Principais tipos de intolerância a carboidratos

Adaptada de: Berni Canani R, et al. Nutrients. 2016 Mar 10;8(3):1574.

 

Intolerância à lactose vs. Alergia ao leite

 

Alergia ao leite de vaca   Intolerância à lactose

Reação de hipersensibilidade mediada ou não por IgE

Urticária

Angioedema facial

Anafilaxia

Sintomas gastrointestinais superiores (vômito, regurgitação)

Dermatite atópica

  Deficiência enzimática

Sintomas gastrointestinais leves a moderados, 30 a 60 minutos após a

ingestão do produto contendo lactose:

o   Dor abdominal

o   Flatulência

o   Diarreia

Raramente se apresenta em crianças abaixo de 5 anos de idade

Sintomas gastrointestinais superiores e atopia são incomuns

  Sinais em comum  
  Diarreia persistente, rash perianal e baixo ganho de peso, se não houver tratamento  

Figura 2. Diferenciação entre intolerância à lactose e alergia às proteínas do leite de vaca

Adaptada de: Madrazo JA, et al. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nutr. 2022 May;25(3):263-755.

Tipos de intolerância à lactose3:

  • Hipolactasia primária: causa mais comum de intolerância à lactose, geralmente ocorre após os 5 anos de
  • Hipolactasia secundária: consequência de doenças da mucosa
  • Deficiência congênita: condição rara, autossômica recessiva; enzima ausente desde o

EPIDEMIOLOGIA

Figura 3. Patogênese dos sintomas intestinais e nervosos em pacientes com intolerância a carboidratos

Adaptada de: Berni Canani R, et al. Nutrients. 2016 Mar 10;8(3):1574.

Na maioria das populações, os níveis de lactase declinam após o desmame, um efeito chamado hipolactasia primária ou lactase não persistente3.

Cerca de 70% da população mundial apresenta hipolactasia primária e esta é a base fisiológica para a intolerância primária à lactose, que geralmente não se manifesta clinicamente antes dos 5 anos de idade3.

A porcentagem de indivíduos afetados na intolerância primária à lactose está relacionada a fatores étnicos e uso de produtos lácteos na dieta, levando à seleção de indivíduos capazes de digerir a lactose. Em populações em que há predominância de produtos lácteos na dieta, menos de 2% da população apresenta intolerância primária à lactose6. De forma oposta, a intolerância primária à lactose se apresenta em níveis mais elevados nos seguintes grupos6:

·         População hispânica: 50-80%;

·         Judeus Ashkenazi e negros: 60-80%;

·         População asiática e nativos da América do Norte: quase 100%.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da hipolactasia primária é feito por meio da sintomatologia e da sua relação com a ingestão de lactose. Na intolerância secundária, o diagnóstico da doença de base é essencial7.

Os testes laboratoriais mais utilizados são o teste de tolerância à lactose pela curva glicêmica e o teste do hidrogênio no ar expirado, (Figura 4) considerado o padrão-ouro7,8.

Figura 4. Teste do hidrogênio no ar expirado

Adaptada de: Berni Canani R, et al. Nutrients. 2016 Mar 10;8(3):1574.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A     intolerância    à    lactose    é     mai frequentemente  diagnosticad erroneamente como síndrome do intestino irritável, mas o diferencia também deve incluir outras doenças9 Obviamente, nenhuma dessas doença tem sua resolução alcançada quando se estabelece uma dieta de exclusão d lactose9.

Diferenciais9:

·         Síndrome do intestino irritável;

·         Doença de Crohn;

·         Colite ulcerativa;

·         Doença celíaca;

·         Diarreias infecciosas;

·         Malignidades intestinais;

·         Alergias alimentares.

TRATAMENTO

 A exclusão do leite da dieta alivia os sintomas, mas, dado o grau variável de produção de lactase, a quantidade de lactose tolerável varia de indivíduo para indivíduo6.

Regras gerais7:

1.       Testar a quantidade de leite tolerada

2.       Associar alimentos ao leite (como pão, cereais), pois eles podem minimizar os sintomas pela redução da velocidade de esvaziamento

gástrico.

3.       Usar leites fluidos com redução de lactose.

4.       Estimular a ingestão de queijos e experimentar a ingestão de produtos fermentados.

É importante lembrar que os queijos em geral têm baixo conteúdo de lactose e que os iogurtes costumam ser mais bem tolerados, provavelmente pela presença de microrganismos com ação de β-galactosidase7.

Embora a má-absorção de lactose não predisponha os indivíduos à má-absorção de cálcio, a exclusão dos produtos lácteos para controle dos sintomas pode afetar a mineralização óssea ótima6. Dessa forma, nos casos de intolerância grave, sem condições de ingestão de quantidades normais de cálcio, recomenda-se introduzir a suplementação de cálcio pelo menos a partir do início da puberdade, pelo aumento de velocidade de crescimento7.

A reposição oral de lactase ou produtos lácteos com lactase estão disponíveis e muitas vezes permitem que um indivíduo com intolerância à lactose seja capaz de ingerir leite ou produtos lácteos6.

Referências

  1. Canani RB, Caffarelli C, Calvani M, Martelli A, Carucci L, Cozzolino T, et Diagnostic therapeutic care pathway for pediatric food allergies and intolerances in Italy: a joint position paper by the Italian Society for Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (SIGENP) and the Italian Society for Pediatric Allergy and Immunology (SIAIP). Ital J Pediatr. 2022 Jun 10;48(1):87.
  1. Rangel AHN, Sales DC, Urbano SA, Galvão Júnior JGB, Andrade Neto JC, Macêdo C Lactose intolerance and cow's milk protein allergy. Food Sci Technol. 2016 Apr;36(2):179-87.
  2. Heine RG, AlRefaee F, Bachina P, De Leon JC, Geng L, Gong S, et Lactose intolerance and gastrointestinal cow's milk allergy in infants and children – common misconceptions revisited. World Allergy Organ J. 2017 Dec 12;10(1):41.
  3. Berni Canani R, Pezzella V, Amoroso A, Cozzolino T, Di Scala C, Passariello Diagnosing and Treating Intolerance to Carbohydrates in Children. Nutrients. 2016 Mar 10;8(3):157.
  4. Madrazo JA, Alrefaee F, Chakrabarty A, de Leon JC, Geng L, Gong S, et International Cross-Sectional Survey among Healthcare Professionals on the Management of Cow's Milk Protein Allergy and Lactose Intolerance in Infants and Children. Pediatr Gastroenterol Hepatol Nutr. 2022 May;25(3):263-75.
  5. Heyman MB; Committee on Lactose intolerance in infants, children, and adolescents. Pediatrics. 2006 Sep;118(3):1279-86.
  6. Sociedade de Pediatria de São Paulo. Recomendações. Atualização de Condutas em Pediatria. Intolerância à nº 61 Agosto 2012. Disponível em: https://www.spsp.org.br/site/asp/recomendacoes/Rec_61_Gastro.pdf. Acesso em: 27 nov. 2023.
  7. Hammer HF, Fox MR, Keller J, Salvatore S, Basilisco G, Hammer J, et al.; European H2-CH4-breath test group. European guideline on indications, performance, and clinical impact of hydrogen and methane breath tests in adult and pediatric patients: European Association for Gastroenterology, Endoscopy and Nutrition, European

Society of Neurogastroenterology and Motility, and European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition consensus. United European Gastroenterol J. 2022 Feb;10(1):15-40.

  1. Carter SL, Attel The diagnosis and management of patients with lactose-intolerance. Nurse Pract. 2013 Jul 10;38(7):23-8.
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