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Homocisteína como Marcador de Risco e a Importância da B12

A homocisteína (HCy) é um aminoácido que desempenha um papel fundamental nos processos bioquímicos do organismo, como o metabolismo de outros aminoácidos (metionina e cisteína) e no ciclo do folato. Sua atividade metabólica envolve muitas enzimas, mas também vários cofatores vitamínicos. Quando os níveis de homocisteína está acima dos níveis considerados normais no sangue, essa condição é chamada de hiper-homocisteinemia (HHCy), doença na qual pode estar relacionada a um risco maior para o desenvolvimento de outras patologias, especialmente cardiovasculares.1

Em indivíduos saudáveis os níveis plasmáticos de HCy em jejum costumam variar entre 5 a 15 μmol/L, já em indivíduos com HHCy é geralmente definida com níveis totais em jejum > 15 μmol/L. Pode ser classificada em 3 categorias: Moderada de 15 a 30 μmol/L; Intermediária de 30 a 100 μmol/L; e Grave > 100 μmol/L. As causas para esse aumento podem decorrer de fatores genéticos ou adquiridos ao longo da vida.1,2

Metabolismo da homocisteína (HCy) e o papel da vitamina B12

Para o processo de metabolização no organismo da HCy, são necessárias 2 principais vias, sendo elas:

  • Remetilação: Converte a HCy de volta em metionina, e esse processo depende do folato e da vitamina B12, ou da betaína, em uma via alternativa;3
  • Transulfuração: Transforma a homocisteína em cistationina, necessitando da vitamina B6 (na forma ativa, piridoxal-5'-fosfato).3

Ambas as vias são reguladas pela S-adenosilmetionina, uma molécula que atua como modulador alostérico, controlando a atividade das enzimas envolvidas nesses processos. Por um lado, ela inibe a enzima metilenotetra-hidrofolato redutase (MTHFR), limitando a remetilação quando os níveis de metionina estão elevados. Equanto no outro, ativa a enzima cistationina β-sintase (CBS), direcionando a HCy para a via de transulfuração em situações de excesso.3

Essa dupla ação mantém o equilíbrio entre as vias de remetilação e transulfuração, ajustando-se às necessidades metabólicas do organismo e à disponibilidade de aminoácidos sulfurados.3

Figura 1: Vias do metabolismo da homocisteína. B2: riboflavina; BHMT: betaína-homocisteína metiltransferase; CBS: cistationina beta-sintase; CL: cistationina gama-liase; DMG: dimetilglicina; MS: metionina sintase; MTHFR: metilenotetraidrofolato redutase; SAH: S-adenosil homocisteína; SAM: S-adenosil metionina; THF: tetraidrofolato.1

 

A HHCy pode resultar de falhas no metabolismo da HCy, geralmente associadas a deficiências de folato e vitamina B12, ou em menor grau a vitamina B6, além das causas genéticas. Os níveis de homocisteína são fortemente influenciados pelas concentrações plasmáticas de folato e vitamina B12, diminuindo com o aumento da ingestão dessas vitaminas.1,3

Consequências da hiper-homocisteinemia (HHCy) e os pacientes de risco

Os casos moderados da HHCy podem estar relacionados à etiologias secundárias, como o consumo excessivo de álcool e tabagismo, ou condições patológicas, como neoplasias, hipotireoidismo e psoríase, além de refletir o estado de deficiências nutricionais. É prudente realizar a investigação destas comorbidades associadas e instaurar seus respectivos tratamentos se indicados. Já nos casos intermediários ou graves, há um risco aumentado de problemas cardiovasculares, incluindo o acidente vascular cerebral (AVC), tromboembólicos arteriais e venosos, infarto do miocárdio e trombose venosa profunda. Costumam envolver alterações genéticas em enzimas importantes do metabolismo da HCy, como a metilenotetra-hidrofolato redutase (MTHFR), metionina sintase (MS) e cistationina beta-sintase (CBS), ou deficiência acentuada de vitamina B12.1,4

As doenças cardiovasculares e cerebrovasculares podem ocorrer pois a HHCy apresenta propriedades aterogênicas e protrombóticas primárias, ou seja, ela pode causar lesões endoteliais que facilitam a deposição de LDL na camada íntima, além de exercer a ativação de fatores de coagulação, e favorecer a formação de coágulos. Apesar dos dados, ensaios clínicos não demonstraram que a redução da HCy com suplementação vitamínica com folato, vitamina B12, ou vitamina B6 previna esses eventos, com uma exceção moderada para o AVC.1

Em geral, a medição dos níveis de HCy não é feita rotineiramente, sendo indicada em casos específicos como suspeita de homocistinúria. Pacientes com doenças cardiovasculares já estabelecidas ou mesmo em pessoas saudáveis buscando estratificação de risco, a medição da homocisteína não é recomendada, pois não há evidências de que reduzi-la traga benefícios comprovados à saúde cardiovascular.1

Grupos específicos de pacientes que apresentam maior risco de deficiência de vitamina B12, pode levar à elevação dos níveis de HCy e ao desenvolvimento das complicações clínicas citadas. Estão incluídos nesse grupo, indivíduos com distúrbios de má absorção, doenças inflamatórias intestinais e aqueles que passaram por ressecções gástricas, ileais ou cirurgia bariátrica. Inclui-se também os pacientes idosos, vegetarianos estritos e veganos sem suplementação adequada, além de pacientes em uso prolongado de metformina ou inibidores da bomba de prótons. Nesses casos, é essencial monitorar os níveis de vitamina B12 e HCy, pela importância dessa vitamina no metabolismo celular e na prevenção de complicações neurológicas e cardiovasculares.5,6

Tratamento

O tratamento da HHCy depende da causa e da gravidade do quadro, sendo frequentemente necessário corrigir deficiências nutricionais do ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12. Em muito dos pacientes, a reposição dessas vitaminas leva à redução dos níveis de HCy.7

Em quadros moderados, mesmo pequenas mudanças na alimentação, como uma dieta rica em frutas, vegetais e laticínios, podem contribuir para a melhora. Já nos casos mais graves, o manejo costuma ser mais complexo, exigindo dieta hipoproteica, suplementação de vitaminas, e ocasionalmente juntamente a suplementação com betaína. O objetivo é manter os níveis de homocisteína < 50 μmol/L, ajudando a prevenir complicações vasculares e neurológicas. Em todos os casos, o tratamento deve ser individualizado, levando em conta a forma clínica da HHCy e as necessidades específicas de cada paciente.1,7

Conclusão

A HCy elevada deve ser vista como um importante marcador de risco para complicações cardiovasculares e neurológicas, e embora a medicação de seus níveis séricos não seja indicada para todos, pode ter grande valor em casos específicos, principalmente quando os valores de B12 estão entre 200 e 300 pg/mL, para auxiliar no diagnóstico real desta deficiência. A deficiência de B12 é uma das principais causas da HHCy e pode ser prevenida com o monitoramento, especialmente em grupos mais vulneráveis.

Referências

  1. Rosenson RS, Smith CC, Bauer KA. Overview of homocysteine. In: Freeman MW, ed. Waltham, MA: UpToDate Inc.; Updated January 24, 2025. Available from: https://www.uptodate.com/contents/overview-of-homocysteine
  2. Measurement and use of total plasma homocysteine. American Society of Human Genetics/American College of Medical Genetics Test and Transfer Committee Working Group. Am J Hum Genet. 1998 Nov;63(5):1541-3. PMID: 9792881; PMCID: PMC1377563.
  3. Selhub J. Homocysteine metabolism. Annu Rev Nutr. 1999;19:217-46. doi: 10.1146/annurev.nutr.19.1.217. PMID: 10448523.
  4. Guéant JL, Guéant-Rodriguez RM, Oussalah A, Zuily S, Rosenberg I. Hyperhomocysteinemia in Cardiovascular Diseases: Revisiting Observational Studies and Clinical Trials. Thromb Haemost. 2023 Mar;123(3):270-282. doi: 10.1055/a-1952-1946. Epub 2022 Sep 28. PMID: 36170884.
  5. Mucha P, Kus F, Cysewski D, Smolenski RT, Tomczyk M. Vitamin B12 Metabolism: A Network of Multi-Protein Mediated Processes. Int J Mol Sci. 2024 Jul 23;25(15):8021.
  6. PAJECKI, Denis et al. Guia para entender o tratamento com cirurgia bariátrica e metabólica. Departamento de Cirurgia Bariátrica. ABESO, 2022. Disponível em: https://abeso.org.br/wp-content/uploads/2022/04/Ebook-Cirurgia-Bariatrica_Abeso-1.pdf. Acesso em: 12 jul. 2025.
  7. González-Lamuño D, Arrieta-Blanco FJ, Fuentes ED, Forga-Visa MT, Morales-Conejo M, Peña-Quintana L, Vitoria-Miñana I. Hyperhomocysteinemia in Adult Patients: A Treatable Metabolic Condition. Nutrients. 2023 Dec 30;16(1):135. doi: 10.3390/nu16010135. PMID: 38201964; PMCID: PMC10780827.

 

 

 

 

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