Eficácia da suplementação de vitamina D na incidência de pré-eclâmpsia: revisão sistemática e meta-análise²
Moghib K.; Ghanm T. I.; Abunamoos A.; Rajabi M.; Moawad S. M.; Mohsen A.; Kasem S.; Elsayed K.; Sayed M.; Dawoud A. I.; Salomon I.; Elmaghreby A.; Ismail M.; Amer A.
BMC Pregnancy and Childbirth, 2024; 24(1):852. DOI: 10.1186/s12884-024-07081-y.
Introdução
A pré-eclâmpsia constitui uma das principais complicações obstétricas, com incidência global estimada entre 2% e 8% das gestações, sendo responsável por elevada morbimortalidade materna e perinatal, além de ser uma das principais causas de parto prematuro (ou seja, nascimento do bebê antes de 37 semanas de gestação). Esta condição caracteriza-se pelo desenvolvimento de pressão arterial anormalmente alta durante ou após a 20ª semana de gestação associada a proteinúria. De acordo com a FEBRASGO (2024)¹ os critérios diagnósticos são¹:
Medida da pressão arterial sistólica acima de 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica acima de 90 mmHg em pelo menos duas ocasiões - com pelo menos 4 horas de intervalo - após 20 semanas de gestação em uma paciente com níveis de pressão arterial consideradas normais previamente, com o aparecimento de um ou mais dos seguintes critérios:
- a) Proteinúria ≥0,3 g em uma amostra de urina de 24 horas ou relação proteína/creatinina ≥0,3 (30 mg/mmol) em uma amostra de urina aleatória ou tira reagente ≥2+ se uma medição quantitativa não estiver disponível.
- b) Contagem de plaquetas <100.000/microL.
- c) Creatinina sérica >1,1 mg/dL (97,2 micromol/L) ou duplicação da concentração de creatinina na ausência de outra doença renal.
- d) Transaminases hepáticas pelo menos duas vezes o limite superior das concentrações normais para o laboratório local.
- e) Edema pulmonar.
- f) Cefaleia de início recente e persistente não explicada por diagnósticos alternativos e que não responde às doses habituais de analgésicos.
- g) Sintomas visuais (por exemplo, visão turva, luzes piscantes ou faíscas, escotomas).
- h) Disfunção útero-placentária (por exemplo, descolamento prematuro da placenta, desequilíbrio angiogênico, restrição de crescimento fetal, análise anormal da forma de onda Doppler da artéria umbilical ou morte fetal).
E esta condição está frequentemente associada a disfunção endotelial que contribui para a ocorrência de proteinúria, podendo evoluir com outras complicações como:
- Síndrome HELLP - Aumento de enzimas hepáticas (elevate dliver enzimes) e plaquetopenia (low platelets), que acontece devido hemólise microangiopática e vaso espasmo hepático materno. Acomete em média 10% a 20% das gestantes que apresentam pré-eclâmpsia grave.
- Eclampsia - Episódio crise convulsiva, durante a gestação ou no pós-parto, não relacionada não relacionadas a outra patologia prévia, em gestantes com pré-eclâmpsia. A eclampsia ocorre em aproximadamente 1,4% das gestações.
- Lesão renal aguda,
- Edema pulmonar e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA),
- Infarto do miocárdio,
- Acidente vascular cerebral,
- Lesão retiniana,
- Restrições de crescimento,
- Descolamento prematuro da placenta,
- Morte materna e/ou fetal.
A deficiência de vitamina D, altamente prevalente entre gestantes, tem sido associada a maior risco de pré-eclâmpsia.
Evidências científicas sugerem que a vitamina D exerce efeitos imunomoduladores para manutenção da tolerância materna fetal, além da diminuição da resposta pró-inflamatória que ocorre pela disfunção endotelial característica da pré eclampsia. Ela também é capaz de regular positivamente os genes associados à invasão placentária e implantação normal da placenta. A vitamina D pela ativação de seu receptor (VDR) aumenta a expressão de VEGF (fator pró angiogênico) contribuindo para uma implantação placentária normal. Sabe-se que, na fisiopatologia da pré eclampsia ocorre o aumento de fatores antiangiogênicos (sFlt-1) e diminuição de fatores pró-angiogênicos (VEGF e PlGF) sendo fatores contribuintes para a implantação anormal da placenta e desenvolvimento da hipertensão.
A vitamina D parece atuar melhorando a estrutura vascular, a elasticidade e a espessura médio-intimal, diminuindo a pressão arterial e reduzindo o estresse oxidativo.
Apesar de todas as evidências dos mecanismos e efeitos biológicos conhecidos da vitamina D, ainda não havia consenso quanto ao uso da suplementação de vitamina D em grávidas. A eficácia da suplementação durante a gravidez na redução da incidência de pré-eclâmpsia na prática ainda permanecia pouco esclarecida. Nesse contexto, revisões sistemáticas e metanálises de ensaios clínicos randomizados tornam-se fundamentais para elucidar a efetividade dessa intervenção e oferecer suporte científico para sua aplicação na prática clínica. E assim, com este objetivo, a revisão sistemática e metanálise mencionada a seguir foi realizada incluindo ensaios clínicos randomizados (ECRs) relevantes para determinar os efeitos da suplementação de vitamina D durante a gravidez na incidência de pré-eclâmpsia.
Objetivo
Avaliar, por meio de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados, o impacto da suplementação de vitamina D em gestantes na prevenção da pré-eclâmpsia e em desfechos maternos e neonatais associados.
Métodos
O estudo foi conduzido de acordo com as diretrizes PRISMA para revisões sistemáticas e metanálises, com protocolo previamente registrado no PROSPERO (CRD42024580640).
Fontes de dados e busca: As bases PubMed, Scopus, Cochrane Library e Web of Science foram pesquisadas até agosto de 2024, utilizando combinações de descritores relacionados a “vitamina D”, “pré-eclâmpsia” e desfechos obstétricos. Após a remoção de duplicatas, 8.765 estudos foram avaliados; destes, 57 foram selecionados para triagem em texto completo, resultando em 33 ensaios incluídos na análise final.
Critérios de elegibilidade: Foram incluídos apenas ensaios clínicos randomizados com gestantes submetidas à suplementação de vitamina D, comparadas a placebo, tratamento padrão ou doses ≤ 400 UI/dia. Os desfechos primários foram incidência de pré-eclâmpsia, parto prematuro e. Desfechos secundários incluíram níveis séricos de 25-hidroxivitamina D, baixo peso ao nascer e índice de APGAR.
Extração de dados e avaliação de qualidade: Dois revisores independentes realizaram a extração de dados e a avaliação do risco de viés dos estudos por meio da ferramenta RoB-2 da Cochrane. Divergências foram resolvidas por um terceiro investigador.
Análise estatística: Variáveis contínuas foram analisadas por diferença média (DM) ou diferença média padronizada (SMD) com intervalo de confiança (IC) de 95%, enquanto variáveis dicotômicas foram avaliadas por razão de risco (RR). Em casos de heterogeneidade significativa (I² > 50% ou p < 0,1), aplicou-se modelo de efeitos aleatórios. Subanálises foram realizadas considerando o tipo de suplementação recebida pelo grupo controle.
Resultados
Foram incluídos 33 ensaios clínicos randomizados (ECRs) envolvendo gestantes que receberam suplementação de vitamina D em diferentes esquemas de dose e duração, comparados a placebo, cuidados padrão ou doses consideradas insuficientes (≤400 UI/dia). No total, 10.613 mulheres foram analisadas, o que confere robustez estatística aos achados.
- Pré-eclâmpsia: A suplementação com vitamina D reduziu significativamente a incidência de pré-eclâmpsia. Razão de Risco (RR): 0,55; IC95%: 0,43-0,71; p < 0,0001. Este achado indica uma redução relativa de 44,8% no risco de desenvolver pré-eclâmpsia entre gestantes suplementadas. Os autores enfatizam que “a consistência dos resultados entre os diferentes subgrupos fortalece a evidência de que a vitamina D desempenha um papel protetor contra a pré-eclâmpsia” (Moghib K et al, 2024).
- Parto Prematuro: A análise agrupada demonstrou redução significativa do risco de parto prematuro: RR: 0,70; IC95%: 0,51-0,96; p = 0,0286; o que representa uma diminuição de 30% na probabilidade de nascimento antes de 37 semanas. Segundo os autores: “este achado é particularmente relevante em saúde pública, visto que o parto prematuro permanece uma das principais causas de morbimortalidade neonatal no mundo” (Moghib K et al, 2024).
- Peso ao nascer: Não houve diferença significativamente estatística na incidência de baixo peso ao nascer: RR: 0.65, IC95%: 0.42-1.02; p:0,057.
- Índice de APGAR aos 5 minutos: A suplementação de vitamina D não reduziu significativamente a frequência de recém-nascidos com APGAR insatisfatório: MD:0,20; IC95%: -0,01- 0,40; p:0,057.
- Níveis séricos de 25(OH)D: Gestantes suplementadas apresentaram elevação significativa dos níveis séricos de 25-hidroxivitamina D em comparação aos controles. DM:42 nmol/L, IC:95% 20,33-44,50; p< 0.0001.
Síntese dos principais desfechos
Desfecho |
RR / DM (IC95%) |
p-valor |
I² |
Interpretação clínica |
Pré-eclâmpsia |
RR: 0,55 (0,43–0,71) |
<0,0001 |
34,4% (p = 0,0929) |
↓ 44,8% risco |
Parto prematuro |
RR: 0,70 (0,51–0,96) |
0,0286 |
59,7% (p = 0,0030) |
↓ 30% risco |
Baixo peso ao nascer (peso médio) |
RR: 0,65 (0,42-1,02) |
0,057 |
65% (p < 0,01) |
Tendência de melhora do risco de baixo peso ao nascer |
APGAR aos 5 min |
MD: 0,20 (-0,01- 0,40)
|
0,057 |
73% (p = 0,01) |
Tendência de melhora a frequência de recém-nascidos com APGAR insatisfatório |
25(OH)D sérico |
DM: 32,42 nmol/L (20,33-44,50) |
<0,0001 |
Sem dados |
↑ níveis séricos |
Conclusão
A suplementação de vitamina D durante a gestação reduz substancialmente o risco de pré-eclâmpsia e parto prematuro, representando um potencial benefício clínico relevante em saúde materna. Os efeitos parecem ser dose-dependentes, com maior benefício em doses ≥ 2000 UI/dia. Contudo, conforme Moghib K et al (2024) “seu impacto sobre os desfechos neonatais permanece incerto”, sendo necessários ensaios clínicos adicionais, padronizados por dose, início e duração da suplementação, para confirmar efeitos na saúde neonatal. Houve tendência de benefício em baixo peso ao nascer e APGAR, porém ainda que sem significância estatística. O aumento significativo dos níveis séricos de 25(OH)D reforça a eficácia da suplementação.
Desta forma, segundo os autores: “a suplementação de vitamina D representa uma intervenção simples, segura e custo-efetiva com potencial de impacto relevante na saúde materna e neonatal” (Moghib K et al, 2024).
Referência Bibliográfica
1: FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA, Síndromes hipertensivas da gravidez. São Paulo, 2024. Acessado em: 26 de agosto de 2025. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1886-sindromes-hipertensivas-da-gravidez
2: Moghib K, Ghanm TI, Abunamoos A, Rajabi M, Moawad SM, Mohsen A, Kasem S, Elsayed K, Sayed M, Dawoud AI, Salomon I, Elmaghreby A, Ismail M, Amer A. Efficacy of vitamin D supplementation on the incidence of preeclampsia: a systematic review and meta-analysis. BMC Pregnancy Childbirth. 2024;24(1):852. doi:10.1186/s12884-024-07081-y.