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Como construir confiança e credibilidade na era digital

Na medicina, a confiança não é um diferencial; é o próprio alicerce. Historicamente, o vínculo médico-paciente foi sustentado pela combinação entre competência técnica e intenção ética. Durante décadas, essa relação se desenvolveu dentro de um ambiente controlado (o consultório), onde o contato presencial consolidava a credibilidade.

 

A era digital transformou completamente esse cenário. Hoje, a jornada do paciente começa em uma busca no Google, em um vídeo no YouTube ou em um perfil do Instagram. Antes de marcar uma consulta, ele já leu avaliações, comparou profissionais e absorveu uma quantidade imensa de informações, nem sempre precisas.

 

O desafio atual é o que a Harvard Business Review (2022) chama de “crise de confiança digital”: excesso de informação, pouca verificação e ruído constante. O paciente chega mais informado, mas também mais cético. Por isso, a confiança, antes implícita, precisa agora ser construída de forma ativa e intencional no ambiente digital.

 

Este artigo apresenta os pilares dessa construção, integrando fundamentos do marketing ético, as diretrizes do Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 2.336/2023) e conceitos contemporâneos de gestão de reputação e autoridade online.

O paradoxo do paciente digital: mais informação, menos confiança

A transformação digital na saúde trouxe um paradoxo evidente. O acesso à informação empoderou o paciente, mas também gerou novas barreiras à confiança. Segundo o Journal of Medical Internet Research (JMIR, 2025), preocupações com privacidade e credibilidade são os principais motivos que limitam a adesão a ferramentas de saúde online.

 

No Brasil, esse comportamento também é evidente em pesquisas como a TIC Saúde (Cetic.br, 2022), e reflete o que Philip Kotler* (2017) define como Marketing 4.0: a passagem de uma economia vertical, centrada na autoridade institucional, para uma economia horizontal e participativa. O poder de influência deixou de estar apenas com o médico e passou a incluir a comunidade digital (avaliações, fóruns, redes sociais e “provas sociais”).

 

Na prática, a credibilidade do profissional não é definida apenas pelo diploma, mas pelo conjunto de percepções que o paciente forma a partir de sua presença online: o que ele comunica, como responde, quais valores transmite e como é mencionado por terceiros.

E-E-A-T: traduzindo o algoritmo da confiança

O Google adota critérios rigorosos para classificar conteúdos sobre temas sensíveis, especialmente os que envolvem saúde, finanças e bem-estar (as chamadas páginas Your Money or Your Life – YMYL). Esses critérios se baseiam no conceito E-E-A-T, que resume o que o buscador entende como conteúdo confiável:

  • Experience (experiência prática): demonstra vivência real no tema abordado.
  • Expertise (especialização técnica): comprova conhecimento formal e atualizado.
  • Authoritativeness (autoridade): é reconhecido por outras fontes respeitáveis.
  • Trustworthiness (confiabilidade): mantém transparência, segurança e ética.

*Philip Kotler: economista e acadêmico americano, amplamente conhecido como o "pai do marketing moderno".

Assim, o algoritmo do Google valoriza os mesmos princípios que sustentam a prática médica ética: conhecimento, responsabilidade e confiança.

Como aplicar o E-E-A-T na comunicação médica

  1. Experiência: compartilhe percepções da prática clínica (sempre de forma ética e anônima), contextualizando informações que o paciente realmente busca.

  2. Expertise: assine os conteúdos com nome, CRM e RQE; mostre formação, afiliações e atualização contínua.

  3. Autoridade: cite fontes científicas, participe de eventos e colabore com entidades reconhecidas; menções externas reforçam sua credibilidade.

  4. Confiabilidade: mantenha site seguro (HTTPS), política de privacidade conforme a LGPD e canais de contato visíveis.

Em resumo, o E-E-A-T é a tradução algorítmica da ética profissional: não basta ser bom, é preciso demonstrar que se é confiável.

A bússola ética: a Resolução CFM nº 2.336/2023

A atualização do CFM modernizou as regras de publicidade médica e deu ao médico o direito (e o dever) de se comunicar de forma ética e transparente. A resolução não flexibiliza a ética, mas reconhece que a ausência de comunicação responsável abre espaço para a desinformação.

O documento também reforça que toda comunicação deve ter caráter educativo, sem apelo comercial ou linguagem sensacionalista, preservando a credibilidade e a sobriedade da medicina.

Entre os principais avanços:

  • Uso de imagem e ambiente de trabalho: permitido desde que o conteúdo tenha tom informativo e discreto.

  • Depoimentos e elogios de pacientes: podem ser repostados, no máximo duas vezes por semestre (mesmo paciente), sem edições nem linguagem autopromocional.

  • Divulgação de valores de consulta: autorizada para promover transparência, desde que não envolva pacotes, descontos casados ou promessa de resultado.

A Harvard Business Review (2022) resume esse movimento: a confiança nasce quando segurança, transparência e propósito estão alinhados. Na medicina, isso significa educar sem vender e informar sem prometer.

Como o médico constrói credibilidade digital

1. Clareza e consistência

A confiança exige coerência. Mantenha um tom uniforme em todas as comunicações, da recepção ao Instagram. Mensagens contraditórias reduzem a credibilidade.

2. Conteúdo educativo contínuo

Crie um calendário regular de publicações com foco em prevenção, hábitos saudáveis e esclarecimento de dúvidas. O conteúdo educativo é a principal ferramenta de autoridade.

3. Empatia e humanização

Mostre-se acessível e empático. Compartilhe bastidores profissionais, causas de saúde pública ou campanhas sociais. O médico que comunica cuidado gera conexão emocional.

4. Transparência técnica e legal

Identifique-se corretamente com nome, CRM e RQE, mantenha política de privacidade no site e siga todas as normas da Resolução nº 2.336/2023 e da LGPD.

5. Gestão da reputação

Monitore avaliações no Google e em plataformas médicas. Responda críticas com cordialidade e respeito. Cada interação é uma oportunidade de demonstrar profissionalismo.

Checklist prático para fortalecer a confiança digital

  • Meu site tem certificado de segurança (HTTPS) e política de privacidade atualizada?

  • Todos os meus conteúdos estão assinados e identificados corretamente (CRM/RQE)?

  • As informações do meu perfil são claras e completas (nome, especialidade, endereço, contato)?

  • Produzo conteúdo baseado em experiência real e evidência científica?

  • Cito fontes reconhecidas e mantenho atualizações regulares?

  • Minha comunicação é sóbria, sem adjetivos comparativos ou garantias de resultado?

  • As avaliações e elogios dos meus pacientes são repostados com moderação e autorização?

A nova fronteira da confiança médica

Construir credibilidade na era digital não é uma tarefa de marketing, mas de vocação ampliada. Quando o médico comunica com clareza, ética e propósito, sua presença digital deixa de ser vitrine e passa a ser extensão do consultório, um espaço de acolhimento, educação e confiança.

A tecnologia muda, mas o princípio permanece o mesmo: a melhor propaganda da medicina é a prática responsável e o compromisso com o cuidado humano.

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Referências bibliográficas

  • Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 2.336/2023 — Dispõe sobre publicidade e propaganda médicas. Brasília, 2023.
  • Conselho Federal de Medicina (CFM). Manual de Publicidade Médica. Brasília, 2023.
  • Cetic.br | CGI.br. Pesquisa TIC Saúde 2021 (publicação 2022). Comitê Gestor da Internet no Brasil.
  • Kotler, P.; Kartajaya, H.; & Setiawan, I. Marketing 4.0: Moving from Traditional to Digital. Wiley, 2017.
  • Kotler, P. & Keller, K. L. Marketing Management. 15th ed., Pearson, 2016.
  • Harvard Business Review. Trust and Ethics in the Digital Era. 2022.
  • Google. Search Quality Rater Guidelines. Atualização de dezembro de 2022 (E-E-A-T).

Journal of Medical Internet Research (JMIR). The Digital Patient and the Trust Gap in Health Technologies. 2025.

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