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Atualizando as evidências sobre dose PAC

O consumo de cranberry contra recorrência de infecções do trato urinário (ITU) é uma estratégia validada, embora ainda restem dúvidas sobre as ações fisiológicas de seus componentes. Entre os possíveis mecanismos por trás dos efeitos protetores dos cranberry contra as ITUs, destacam-se os polifenóis. Estes possuem capacidade de atuar como agentes antiadesivos na inibição da adesão de patógenos aos receptores de células uroepiteliais, o que parece ser um passo importante na patogênese dessas infecções. Dentre os polifenóis conhecidos, os mais relacionados a inibição dos patógenos são as proantocianidinas (PAC’s).

Há muitas discussões e dúvidas clínicas sobre concentração de dose PAC efetiva para a redução do risco de infecção urinaria. No entanto, na avaliação das evidências cientificas, é importante esclarecer a metodologia dos estudos, diferenciando os achados encontrados em pesquisas in vitro/ex-vivo dos avaliados em ensaios clínicos prospectivos de longa duração.

Neste artigo abordaremos alguns desses estudos.

Alguns trabalhos in vitro/ex-vivo apontam diferença entre diferentes doses PAC, como o conduzido por Howell, et al., (2010)1. Sua metodologia foi baseada na análise laboratorial da urina de participantes saudáveis após uma única ingesta de diferentes concentrações de Cranberry, concluindo favoravelmente para uma inibição dose-dependente. No entanto, o número limitado de participantes (N=32), o desenho em cross-over e o uso de bactérias E. coli externas geneticamente modificadas limitam seus resultados, impossibilitando a extrapolação destes para um contexto clínico.

A tentativa de comprovação clínica dos achados de Howell2010 foi conduzida por Babar A, et al., (2021)2. Através de um ensaio clínico prospectivo, paralelo e duplo cego, foram randomizadas 145 mulheres adultas com histórico de infecção recorrente do trato urinário. O objetivo do estudo foi avaliar a superioridade de um extrato de Cranberry com altas doses PAC perante um extrato padronizado de Cranberry mais utilizado comercialmente, visando a prevenção de infecções recorrentes do trato urinário. As participantes foram randomizadas em dois grupos: dose alta de proantocianidinas de Cranberry (2 x 18,5 = 37mg/DMAC por dia) (N = 72) ou uma dose baixa de controle (2 x 1 = 2mg/DMAC por dia) (N = 73), durante um período de 24 semanas. Após o seguimento de 6 meses, a taxa anualizada de infecções urinarias foi semelhante entre os grupos, sem diferença estatisticamente significativa (IC 0,51-1,11/p=0,16). O cálculo ajustado por idade também não encontrou diferença (IC 0,57-1,26/p=0,42). Os resultados foram demonstrados em tabela, reproduzida abaixo (Tabela 1):

 Tabela 1: Incidência de ITU sintomática em 24 semanas por braço do estudo Babar2021.2

 

Resultados similares foram encontrados por outros ensaios clínicos randomizados, que compararam diferentes doses PAC. Suas características estão resumidas na tabela abaixo:

 

Referência

Dose PAC avaliada

Dose PAC controle

Tempo seguimento clínico

Diferença estatisticamente significativa entre as doses

Babar20212

36mg

2mg

6 meses

Não

Sengunpta20113

15mg

7,5mg

3 meses

Não

Wing20084

318mg

106mg

±3 meses

Não

Juthani20105

32mg

16mg

6 meses

Não

 

 

 

 

 

Conforme apresentado, todos esses ensaios clínicos encontraram similaridade entre os grupos, portanto não foi apontada diferença de eficácia clínica entre altas e baixas concentrações PAC.

A revisão sistemática mais recente sobre o assunto foi publicada pela conceituada revista Cochrane, em sua sexta avaliação sobre o tema. Nela Williams G, et al., (2023)6 incluíram 50 estudos de cranberry com o total 8857 participantes (26 novos trabalhos em relação a revisão Cochrane anterior). Destaca-se que o estudo de Howell20101 foi excluído por não apresentar desfecho clínico relevante.

Os autores chegaram à alteração de recomendação em relação às revisões anteriores, opinando favoravelmente ao uso do fruto para prevenção de infecções urinárias. A redução do risco geral de recorrência encontrada foi de 30% (RR 0.70, 95% CI 0.58 to 0.84; I² = 69%) para o desfecho de ITU sintomática controlada por cultura e de 27% (RR 0.73, 95% CI 0.57 to 0.94; i² = 52%) para o desfecho de ITU sintomática não controlada por cultura. Os subgrupos de mulheres com ITU de repetição, crianças e pessoas submetidas a procedimentos cirúrgicos que envolvam o trato urinário apresentaram melhor evidência da intervenção.

Os pesquisadores da Cochrane20236 também realizaram subanálises (5.1; 5.2; 5.3) sobre quantidade de proantocianidinas (PAC) necessária para o efeito protetor, reunindo os estudos de Sengupta20113 (7,5 vs 15mg PAC), Wing20084 (106 vs 318mg PAC), Juhani20105 (16 vs 32mg PAC) e Babar20212 (2 vs 36mg PAC). Após a compilação dos resultados, não foi encontrada diferença significativa de risco para recorrência de ITU com o uso de pequenas, moderadas ou grandes concentrações de PACs. As análises gráficas de forest plot foram reproduzidas abaixo:

Figura 1: Análise 5.1 Dose de cranberry: alta versus baixa, Resultado 1: ITU sintomática, verificada por cultura. (Cochrane 20236, página 127)

Figura 2: 5.2 Dose de cranberry: alta versus baixa, Resultado 2: ITU microbiológica (cultura positiva), sem sintomas conhecidos. (Cochrane 20236, página 127)

Figura 3: 5.3 Dose de cranberry: alta versus baixa, Resultado 3: ITU diagnosticada clinicamente, sem verificação de cultura. (Cochrane 20236, página 127)

É importante ressaltar que o guideline mais recente (2024) da Associação Europeia de Urologia (EAU)7 indica que não há diferença significativa no número de episódios de ITU entre altas doses e baixas doses de PAC, baseado no estudo clínico de Babar2021, conforme reproduzido a seguir:

Figura 4: destaque do guideline EAU 2024 sobre quantidade de proantocianidinas. (página 19)

Além das proantocianidinas (PAC) há também evidência clínica de outros componentes de cranberry na inibição da adesão bacteriana, como por exemplo a frutose. Seu efeito na inibição das fimbrias do tipo 1 da E.coli uropatogênica, demonstrado por Konesan J, et al., (2022)8 aponta para um efeito sinérgico com as PAC’s. Dessa forma, a padronização dos extratos de cranberry somente pela quantidade de proantocianidinas pode não ser a melhor opção.

Figura 5: Mecanismos de inibição da adesão bacteriana no trato urinário segundo fimbrias do tipo P e do tipo 1 da E.coli uropatogênica (UPEC).

Por fim, o resumo das evidências atuais apoia o uso de Cranberry como um agente efetivo para redução de infecção urinaria recorrente. O uso de extratos padronizados, clinicamente testados, pode ser uma interessante opção de intervenção. Alternativas com altas concentrações de PAC podem não ser custo-efetivas, visto que não há comprovação clínica de sua superioridade.

Referências Bibliográficas

  1. Howell AB, Botto H, Combescure C, Blanc-Potard AB, Gausa L, Matsumoto T, Tenke P, Sotto A, Lavigne JP. Dosage effect on uropathogenic Escherichia coli anti-adhesion activity in urine following consumption of cranberry powder standardized for proanthocyanidin content: a multicentric randomized double blind study. BMC Infect Dis. 2010 Apr 14;10:94.
  2. Babar A, Moore L, Leblanc V, Dudonné S, Desjardins Y, Lemieux S, Bochard V, Guyonnet D, Dodin S. High dose versus low dose standardized cranberry proanthocyanidin extract for the prevention of recurrent urinary tract infection in healthy women: a double-blind randomized controlled trial. BMC Urol. 2021 Mar 23;21(1):44.
  3. Sengupta, K.A. & Alluri, Kr & Golakoti, Trimurtulu & Gottumukkala, G. & Raavi, J. & Kotchrlakota, L. & Sigalan, S. & Dey, D. & Ghosh, S. & Chatterjee, A.. (2011). A Randomized, Double Blind, Controlled, Dose Dependent Clinical Trial to Evaluate the Efficacy of a Proanthocyanidin Standardized Whole Cranberry (Vaccinium macrocarpon) Powder on Infections of the Urinary Tract. Current Bioactive Compounds. 7. 39-46.
  4. Wing DA, Rumney PJ, Preslicka CW, Chung JH. Daily cranberry juice for the prevention of asymptomatic bacteriuria in pregnancy: a randomized, controlled pilot study. J Urol. 2008 Oct;180(4):1367-72. 
  5. Juthani-Mehta M, Perley L, Chen S, Dziura J, Gupta K. Feasibility of cranberry capsule administration and clean-catch urine collection in long-term care residents. J Am Geriatr Soc. 2010 Oct;58(10):2028-30.
  6. Williams G, Stothart CI, Hahn D, Stephens JH, Craig JC, Hodson EM. Cranberries for preventing urinary tract infections. Cochrane Database Syst Rev. 2023 Nov 10;11(11):CD001321
  7. Kranz J, Bartoletti R, Bruyère F, Cai T, Geerlings S, Köves B, Schubert S, Pilatz A, Veeratterapillay R, Wagenlehner FME, Bausch K, Devlies W, Horváth J, Leitner L, Mantica G, Mezei T, Smith EJ, Bonkat G. European Association of Urology Guidelines on Urological Infections: Summary of the 2024 Guidelines. Eur Urol. 2024 Jul;86(1):27-41
  8. Konesan J, Liu L, Mansfield K.J. The Clinical Trial Outcomes of Cranberry, D-Mannose and NSAIDs in the Prevention or Management of Uncomplicated Urinary Tract Infections in Women: A Systematic Review. Pathogens. 2022;11(12):1471.

 

 

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