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Suplementação de DHA em Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento cuja prevalência vem crescendo globalmente, gerando impacto social, econômico e familiar significativo. A condição é quatro a cinco vezes mais comum em meninos e caracteriza-se por déficits na comunicação e na interação social, além de comportamentos sensório-motores repetitivos ou atípicos. A apresentação clínica é heterogênea, com ampla variabilidade entre indivíduos. Segundo o Global Burden of Disease, a prevalência global de TEA é estimada em aproximadamente 0,8%, chegando a cerca de 1% em crianças, com variações relevantes conforme região e metodologia de avaliação1-3.

Embora sua etiologia permaneça parcialmente compreendida, sabe-se que envolve fatores genéticos, ambientais e nutricionais inter-relacionados. A nutrição materna durante a gestação desempenha papel crítico no neurodesenvolvimento, e estudos mostram que crianças com TEA apresentam padrões nutricionais distintos daquelas com desenvolvimento típico. Desequilíbrios nutricionais, frequentemente associados à seletividade alimentar, podem agravar manifestações comportamentais. Além disso, há evidências de que o estresse oxidativo e alterações metabólicas podem influenciar a fisiopatologia do TEA, afetando o desenvolvimento cerebral e o comportamento1.

DHA e Neurodesenvolvimento

O ácido docosahexaenoico (DHA), um ácido graxo ômega-3 de cadeia longa, é essencial para o crescimento e o desenvolvimento infantil, especialmente para a formação e o funcionamento do sistema nervoso central e da retina. No cérebro, o DHA representa cerca de 30% dos lipídios das membranas neuronais, sendo fundamental para a fluidez e a plasticidade sináptica, que sustentam processos cognitivos como memória e aprendizagem. Além disso, o DHA possui ações neuroprotetoras e anti-inflamatórias, capazes de modular mediadores inflamatórios e reduzir o estresse oxidativo, reforçando sua importância no neurodesenvolvimento ao longo da infância1,4.

Metodologia:

Uma série de casos prospectiva conduzida por Salmazo GF, et al., (2023)5 avaliou o efeito do uso contínuo de óleo marinho de Schizochytrium sp. rico em DHA, associado a um complexo multivitamínico/mineral, sobre sintomas clínicos de crianças com TEA grave, incluindo:

  • Avaliação clínica e comportamental (CARS): Escala que analisa gravidade geral do TEA considerando comunicação, relações sociais, comportamento e resposta intelectual.
  • Comportamento adaptativo (ABAS-3): Avaliação de funcionalidade adaptativa, considerando quatro domínios principais:
  • Conceitual (comunicação, conhecimento pré-acadêmico, autodireção)
  • Social (interação e habilidades sociais)
  • Prático (autocuidado, segurança, vida doméstica, habilidades motoras)
  • Composto Geral de Adaptação
  • Marcadores metabólicos: Capacidade antioxidante total urinária e perfil de aminoácidos, e outros metabólitos.

A dose diária administrada foi de 2 mL de óleo marinho de Schizochytrium sp., equivalentes a 200 mg de DHA e 2 mg de EPA, em associação ao complexo multivitamínico/mineral, durante 12 semanas. Crianças com epilepsia foram excluídas do estudo5.

Resultados:

Foram incluídas 12 crianças com TEA grave, com idades entre 2 e 6 anos (média de 4,6 ± 1,0 anos). Nenhum paciente apresentou efeitos adversos ao uso dos suplementos e, ao contrário, pais e profissionais relataram múltiplos efeitos positivos ao longo do acompanhamento5.

Após 12 semanas de intervenção, observou-se:

  • Melhora significativa nos escores da escala CARS (Figura 1)
  • Melhora nos domínios social e geral da ABAS-3 (Figura 1)
  • Aumento da capacidade antioxidante total urinária
  • Alterações em determinados aminoácidos

De acordo com a Tabela 1, todas as crianças apresentaram melhora na comunicação e no contato visual, além de ganhos adicionais em vocabulário, interação social, hábitos alimentares e redução da seletividade alimentar5.

(Figura 1 e Tabela 1 conforme estudo)

Figura 1: Resposta ao tratamento com óleo de Schizochytrium sp. marinho e complexo multivitamínico e mineral de participantes com TEA, avaliada pela escala ABAS-3. A) Escala de Avaliação do Autismo Infantil; B) Domínio Composto Adaptativo Geral; C) Domínio Conceitual; D) Domínio Social; E) Domínio Prático. Os dados são apresentados por dados brutos e pareamento entre antes e depois de 12 semanas de tratamento. A análise estatística aplicada foi o teste de postos sinalizados de Wilcoxon, que indicou a diferença estatística entre antes e depois do tratamento, considerando um erro alfa de 0,05. Fonte: Salmazo GF, et al., (2023)

Tabela 1: Informações dos participantes com transtorno do espectro autista incluídos no estudo e suas respostas ao óleo de Schizochytrium sp. marinho e ao complexo multivitamínico e mineral. Fonte: Salmazo GF, et al., (2023)

Discussão:

Na literatura foi mostrado que crianças mais novas apresentam maior vulnerabilidade ao estresse oxidativo devido à imaturidade de seus mecanismos antioxidantes. Assim, a suplementação de antioxidantes em crianças mais novas superaria esse desequilíbrio, eliminando esses radicais livres. Como a exposição prolongada ao estresse oxidativo pode afetar processos celulares importantes, a melhora dos marcadores antioxidantes é considerada um achado relevante. O aumento da capacidade antioxidante urinária observado no estudo reforça esse mecanismo potencial5.

Diversos estudos já avaliaram o uso de vitaminas, minerais e ácidos graxos em crianças com TEA, demonstrando melhora em hiperatividade, comportamento sensório-motor e redução de marcadores de estresse oxidativo. Estudos recentes mostram que pacientes com TEA relataram benefícios gerais com o uso de multivitamínicos e nutracêuticos5.

Meta-análises indicam que que o ômega-3 pode melhorar sintomas como hiperatividade, letargia e estereotipias, mas não o funcionamento ou a responsividade social, em concordância parcial com os achados do estudo. Em contrapartida, outra meta-análise indicou que pacientes com TEA apresentam baixos níveis de DHA, EPA e ácido araquidônico, e a suplementação de ômega-3 de cadeia longa está associada à melhora da interação social e de comportamentos repetitivos ou restritos5.

O estudo de Salmazo GF, et al., (2023)5 é o primeiro a avaliar a combinação de DHA com um complexo multivitamínico/mineral em crianças com TEA grave, demonstrando melhora em diferentes domínios comportamentais, possivelmente mediada pelos efeitos antioxidantes e neuroprotetores do DHA e dos micronutrientes envolvidos5.

Conclusão

Crianças com TEA frequentemente apresentam níveis reduzidos de ácidos graxos essenciais, como DHA e EPA, o que pode se correlacionar com a intensidade dos sintomas. Os achados preliminares sugerem que a suplementação de DHA, em associação a vitaminas e minerais, pode contribuir para melhorias comportamentais e adaptativas. Entretanto, as evidências ainda são insuficientes para recomendar a suplementação como tratamento específico para TEA. Estudos maiores, controlados e de longa duração são necessários para confirmar esses benefícios5,6.

Referencias

  1. Długosz A, Wróblewski M, Błaszak B, Szulc J. The Role of Nutrition, Oxidative Stress, and Trace Elements in the Pathophysiology of Autism Spectrum Disorders. Int J Mol Sci. 2025 Jan 18;26(2):808.
  2. Global Burden of Disease Study 2021 Autism Spectrum Collaborators. The global epidemiology and health burden of the autism spectrum: findings from the Global Burden of Disease Study 2021. Lancet Psychiatry. 2025 Feb;12(2):111-121.
  3. Zeidan J, Fombonne E, Scorah J, Ibrahim A, Durkin MS, Saxena S, Yusuf A, Shih A, Elsabbagh M. Global prevalence of autism: A systematic review update. Autism Res. 2022 May;15(5):778-790.
  4. Nogueira-de-Almeida, C. A., Ribas Filho, D., Philippi, S. T., Pimentel, C. V. de M. B., Korkes, H. A., Mello, E. D. de, Bertolucci, P. H. F., & Falcão, M. C. (2022). II Consensus of the Brazilian Nutrology Association on DHA recommendations during pregnancy, lactation and childhood. International Journal of Nutrology, 15(3).
  5. Salmazo GF, Oliveira MAB, Marson FAL, Sciani JM. Preliminary analysis of a clinical trial of children with autism spectrum disorder treated with DHA-rich marine Schizochytrium oil and multi-vitamin/mineral complex. Res Autism Spectr Disord. 2023;109:102282.
  6. Parletta N, Niyonsenga T, Duff J. Omega-3 and Omega-6 Polyunsaturated Fatty Acid Levels and Correlations with Symptoms in Children with Attention Deficit Hyperactivity Disorder, Autistic Spectrum Disorder and Typically Developing Controls. PLoS One. 2016 May 27;11(5):e0156432.
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