As redes sociais se tornaram parte essencial da presença digital de qualquer profissional de saúde. Estar nelas não é mais uma escolha, é uma necessidade.
Mas o que diferencia um perfil profissional respeitado de uma vitrine de autopromoção é o propósito que orienta cada publicação.
Com mais de 4,9 bilhões de usuários conectados globalmente (DataReportal, 2024), as plataformas digitais moldam a forma como pacientes buscam informação, avaliam profissionais e decidem agendar consultas. Nesse cenário, as redes sociais não servem apenas para aparecer, mas para educar, conectar e inspirar confiança.
Este artigo mostrará como o médico pode usar as redes sociais como uma ferramenta estratégica de educação e autoridade, alinhando comunicação, propósito e ética conforme as diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O novo papel das redes sociais na medicina
O paciente atual é digital. Ele pesquisa sintomas, compara profissionais e acompanha conteúdos de saúde diariamente. Plataformas como Instagram, YouTube e LinkedIn deixaram de ser espaços apenas de entretenimento:
tornaram-se fontes de informação médica e científica.
Philip Kotler (2021) define esse movimento como parte do Marketing 5.0, em que a tecnologia deve servir à humanização. Para o médico, isso significa comunicar-se com empatia, clareza e responsabilidade. As redes sociais não substituem o consultório, mas ampliam o alcance do cuidado.
O novo paradigma da publicidade médica: a Resolução CFM nº 2.336/2023
A Resolução CFM nº 2.336/2023, em vigor desde 2024, representa uma modernização significativa das regras de publicidade médica, adaptando-as à era digital.
Longe de ser apenas um conjunto de proibições, a resolução oferece um novo enquadramento para a comunicação médica, abrindo espaço para uma atuação mais educativa e transparente.
"Publicidade" vs. "Propaganda": a distinção essencial
Um dos avanços mais importantes da nova resolução é a distinção clara entre dois conceitos:
1. Publicidade médica: refere-se à promoção de serviços, estrutura física ou qualificações do médico ou do estabelecimento de saúde.
2. Propaganda médica: diz respeito à divulgação de informações e ações de interesse da medicina e da saúde, com foco educativo e informativo.
Essa diferenciação é a chave para o propósito. Ela sinaliza que o CFM não apenas permite, mas incentiva o médico a assumir seu papel de educador e fonte confiável de informação, ao mesmo tempo em que regula como ele pode apresentar seus serviços.
O médico deve sempre:
● Identificar-se com nome completo, CRM e, se aplicável, RQE;
● Produzir conteúdo educativo, voltado ao esclarecimento da sociedade;
● Evitar expressões de superioridade, promessas de resultados e comparações entre colegas;
● Preservar a privacidade dos pacientes, mesmo com autorização.
O objetivo central é simples: informar com ética, nunca promover com vaidade.
Vale reforçar que o médico pode repostar depoimentos de pacientes, desde que sejam sóbrios e não contenham adjetivos que denotem superioridade (“o melhor”, “o único”) ou promessas de resultado. O foco deve ser na experiência de cuidado, não no resultado.
O propósito como estratégia: combate à desinformação
Na era da "infodemic" (epidemia de desinformação), a presença de profissionais de saúde qualificados nas redes sociais não é apenas uma estratégia de marketing, é uma responsabilidade social.
Organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) incentivam ativamente os profissionais a se tornarem fontes de informação confiável para proteger o público.
O propósito, neste contexto, é:
● Ser uma fonte de credibilidade: compartilhar apenas informações baseadas em evidências, de forma clara e acessível;
● Ser transparente: reconhecer limitações do conhecimento e declarar conflitos de interesse, separando informação de saúde de publicidade;
● Ser acessível e compreensível: traduzir o “mediquês” para uma linguagem que o público possa entender e aplicar em suas decisões de saúde.
As três dimensões do uso ético e estratégico
O uso das redes com propósito se apoia em três pilares complementares: educar, humanizar e engajar.
1. Educar
O conteúdo educativo é o principal instrumento de construção de autoridade. O médico que explica com clareza e empatia um tema relevante da sua área cumpre duas funções: informa e previne.
Exemplos práticos:
● Publicar vídeos curtos explicando sintomas, prevenção e tratamentos (sem promessas de resultado);
● Criar carrosséis com dados científicos traduzidos em linguagem acessível;
● Comentar notícias de saúde com responsabilidade, reforçando evidências científicas.
2. Humanizar
Mostrar o lado humano do profissional reforça o vínculo emocional com o público. É possível humanizar sem perder a sobriedade: compartilhar bastidores do consultório, falar sobre o propósito da carreira, mostrar momentos de aprendizado e participação em congressos.
A autenticidade é o que aproxima. Um médico acessível e empático inspira confiança, mesmo em ambiente digital.
3. Engajar com propósito
Engajar não é buscar curtidas; é criar diálogo significativo. Responder dúvidas, agradecer comentários e incentivar hábitos saudáveis demonstram interesse genuíno pelo bem-estar das pessoas.
De acordo com a Harvard Business Review (2022), marcas e profissionais com propósito claro criam relacionamentos mais duradouros. Na medicina, esse propósito é cuidar e educar, mesmo fora das paredes do consultório.
Como transformar o perfil em um canal de autoridade
A autoridade digital nasce da consistência. Um perfil profissional deve refletir a mesma ética e excelência do atendimento presencial.
Boas práticas:
● Definir um calendário de conteúdo com publicações regulares e educativas;
● Equilibrar formatos: vídeos, textos, infográficos e stories com mensagens claras;
● Manter uma identidade visual discreta e coerente;
● Evitar temas sensacionalistas ou postagens de autopromoção;
● Compartilhar elogios e depoimentos com moderação, conforme o Manual da CODAME (Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos), o repost de um mesmo paciente pode ocorrer, no máximo, duas vezes por semestre, sempre com autorização e sem adjetivos de superioridade.
Redes sociais como extensão do cuidado
As redes sociais, quando usadas com propósito, tornam-se extensões do cuidado médico. Elas permitem que o profissional vá além do consultório, educando, orientando e construindo confiança com a sociedade.
O verdadeiro impacto digital não está no número de seguidores, mas no valor que o conteúdo entrega. O médico que comunica com ética e propósito não apenas se destaca: inspira, orienta e transforma.
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Referências bibliográficas
● Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 2.336/2023 — Dispõe sobre publicidade e propaganda médicas. Brasília, 2023.
● Conselho Federal de Medicina (CFM). Manual de Publicidade Médica. Brasília, 2023.
● Kotler, P., Kartajaya, H., & Setiawan, I. Marketing 5.0: Technology for Humanity. Wiley, 2021.
● Harvard Business Review. Purpose-Driven Branding: Building Trust in a Distracted World. 2022.
● DataReportal. Digital 2024: Global Overview Report. 2024.
● Organização Mundial da Saúde (OMS). Managing the Infodemic: Promoting Healthy Information Ecosystems. 2023
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