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Obesidade Clínica e Pré-clínica: Novas Perspectivas no Diagnóstico e Manejo da Doença

Introdução

A obesidade é uma doença crônica e multifatorial caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo, podendo prejudicar a saúde e aumentar o risco de diversas doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é definida por um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg/m² em adultos. Está associada a comorbidades graves, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, alguns tipos de cânceres e doença renal crônica. Essa condição contribui para um aumento significativo na morbidade e mortalidade, especialmente por doenças cardiovasculares.1-2-3

A prevalência da obesidade tem aumentado globalmente, impactando negativamente a saúde pública, a economia e a sociedade. No Brasil, entre 2006 e 2019, a taxa de obesidade cresceu 72%, passando de 11,8% para 20,3%, afetando homens e mulheres de forma semelhante. Além disso, dados do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana da Saúde indicam que 12,9% das crianças de 5 a 9 anos, e 7% dos adolescentes de 12 a 17 anos estão obesos, ampliando a magnitude do problema. A OMS estima que, em 2025, 2.3 bilhões de adultos ao redor do mundo estarão acima do peso, sendo 700 milhões de indivíduos com obesidade. Já a Federação Mundial de Obesidade (WOF) estima que em 2030 aproximadamente 3 bilhões de adultos terão sobrepeso ou obesidade, correspondendo a aproximadamente 50% da população mundial.4-5

Os aspectos nutricionais de pacientes obesos frequentemente apresentam um contraste, a ingestão calórica excessiva coexistindo com a desnutrição. Embora a ingestão calórica seja alta, a baixa qualidade da dieta, caracterizada pelo consumo elevado de alimentos ricos em calorias, mas pobres em nutrientes, resulta em deficiências de micronutrientes, como ferro, cálcio, zinco, vitamina D e B12. Essa desnutrição é agravada por fatores como inflamação crônicae anormalidades metabólicas.6-7

A carga global de doenças associadas ao alto IMC tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas. Isso destaca a urgência em implementar estratégias eficazes de saúde pública para enfrentar o problema da obesidade e suas consequências para a saúde.3

Nova definição para a obesidade

O recente estudo conduzido pelo Prof. Francesco Rubino et al, nomeado Definition and diagnostic criteria of clinical obesity8, publicado em janeiro de 2025 na The Lancet Diabetes & Endocrinology Commission, propõe uma nova classificação para a obesidade, além do IMC, dividindo-a em duas categorias principais, sendo elas a obesidade clínica e obesidade pré-clínica.

Considerando essa nova abordagem, torna-se essencial compreender as limitações do IMC, que é calculado dividindo o peso (kg) pela altura ao quadrado (m²). Embora seja amplamente utilizado, apresenta limitações uma vez que não diferencia a quantidade de tecido muscular e tecido adiposo e não leva em conta a distribuição da gordura corporal, fornecendo pouca informação sobre a saúde em nível individual. Alguns indivíduos com IMC alto podem não ter excesso de tecido adiposo e, portanto, não estarem em maior risco de morbidades, tal como atletas e pessoas com maior massa óssea ou muscular. Por outro lado, pessoas com IMC normal ou sobrepeso podem também apresentar maior porcentagem de gordura corporal e estarem em risco. Assim, medidas complementares, para avaliação da composição corporal, como medidas de pregas cutâneas, circunferência abdominal e diferenciação da quantidade de tecido adiposo e muscular, são recomendadas para avaliar com maior precisão a obesidade e seus impactos na saúde.8

A obesidade clínica é uma doença em progressão, não apenas uma classificação de risco. Ela é caracterizada pelo excesso de gordura corporal associado a disfunções em diversos sistemas do organismo, resultando em alterações metabólicas, fisiológicas e psicológicas clinicamente evidentes, como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares e distúrbios musculoesqueléticos. Por se tratar de uma doença crônica, não há cura, e o acompanhamento e tratamento devem ser contínuos. Essa classificação enfatiza a importância de tratar a obesidade não apenas como um problema estético ou de estilo de vida, mas como uma doença crônica que requer intervenção médica direcionada.8

Quanto à obesidade pré-clínica, refere-se a um estado em que há acúmulo excessivo de gordura corporal, mas sem manifestações clínicas evidentes de comorbidades. No entanto, os autores alertam que essa condição representa um risco significativo para o desenvolvimento futuro de complicações relacionadas à obesidade, destacando a necessidade de intervenções precoces para prevenir a progressão para a obesidade clínica. Na Figura 1, é possível observar a forma como a medição era realizada anteriormente e como ela é classificada de acordo com o novo método adotado no estudo.8

Figura 1: Medição tradicional da obesidade vs novo método de diagnóstico. Adaptado de Rubino F, et., (2025).8

O tratamento da obesidade clínica inclui abordagens multifatoriais, como mudanças no estilo de vida, terapia comportamental, medicamentos e, em alguns casos, cirurgia bariátrica, visando a perda de peso e o controle de comorbidades. Além de todos os fatores citados, há uma base genética envolvida, portanto, mesmo com o uso de medicamentos ou cirurgia bariátrica, o paciente pode readquirir o peso perdido. Já a obesidade pré-clínica prioriza a prevenção das comorbidades associadas a obesidade, com educação em saúde, promoção de hábitos saudáveis e monitoramento de riscos metabólicos.8

Não há tratamento curativo, portanto, a manutenção do peso perdido depende exclusivamente de mudanças permanentes no estilo de vida. O maior desafio para os indivíduos submetidos ao tratamento não está somente na perda de peso, mas principalmente na manutenção do peso perdido, já que muitos pacientes podem retomar hábitos antigos, facilitando o reganho.

Opções terapêuticas e seus impactos nutricionais

As opções terapêuticas para a obesidade estão ampliando, incluindo tratamentos farmacológicos e intervenções cirúrgicas. Dentre os medicamentos, destaca-se a nova geração de agonistas do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1), como a semaglutida e liraglutida. Esses fármacos são eficazes devido aos seus mecanismos de ação multifacetados ao se ligarem a receptores acoplados à proteína G, promovendo os seguintes efeitos: aumento da secreção de insulina glicose-dependente, redução da liberação de glucagon, lentificação do esvaziamento gástrico, e modulação vias centrais envolvidas no controle da fome com supressão do apetite, contribuindo para a perda de peso. Além disso, acredita-se que os análogos de GLP-1 possam contribuir para a preservação e proliferação das células β pancreáticas, responsáveis pela produção de insulina. 9-10

Outra inovação é a tirzepatida, primeiro agonista dual dos receptores do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e GLP-1. Esse medicamento apresenta alta seletividade e afinidade por ambos os receptores, ativando o GIP de maneira semelhante ao hormônio GIP natural, enquanto sua ação no receptor GLP-1 é ligeiramente inferior à do GLP-1 natural. As ações agonistas em receptores GIP são semelhantes as ações dos receptores de GLP-1 descritas acima. Foi demonstrado perdas de peso de 20-30% do peso corporal, tornando-se uma alternativa potencial à cirurgia bariátrica para alguns pacientes. 11-12

Outro medicamento como a sibutramina, um inibidor de recaptação de serotonina-norepinefrina de ação central, também é utilizado no tratamento da obesidade por reduzir a ingestão alimentar, resultando em perda de peso e melhoria de parâmetros metabólicos. Contudo, seus riscos cardiovasculares significativos, como aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, levaram à sua retirada do mercado em diversos países como União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Paraguai, Uruguai, Chile, Argentina e Colômbia. A combinação de bupropiona e naltrexona é outra medicação utilizada para o tratamento da obesidade e do sobrepeso, atuando através do aumento da dopamina e bloqueio dos receptores opioides, para modular a alimentação hedônica (desejo de se alimentar na ausência de fome fisiológica) e reduzir a ingestão de alimentos. É recomendada devido aos benefícios moderados na perda de peso e aos mínimos efeitos adversos.13-14

No entanto, muitos pacientes em tratamento medicamentoso diminuem a quantidade de alimentos ingeridos, porém não melhoram a qualidade da dieta, agravando deficiências nutricionais, disbiose e distúrbios gastrintestinais associados ao uso dessas medicações.15

Já as cirurgias bariátricas, como o bypass gástrico em Y de Roux (RYGB) e a gastrectomia vertical em manga, promovem uma perda de peso significativa por meio da redução do tamanho do estômago. Nos casos da cirurgia com by-pass gástrico, ocorre também a diminuição da absorção de nutrientes, devido à realização de desvio intestinal e aumento da liberação de hormônios enteroendócrinos (como GIP e GLP-1) contribuindo para maior perda de peso.15

Esses tratamentos acarretam riscos nutricionais, incluindo deficiência de vitaminas e minerais. A cirurgia bariátrica em gastrectomia vertical em manga, leva a deficiência de vitamina B12. Já o by-pass gástrico acarreta e redução da absorção de outras vitaminas lipossolúveis, como a vitamina D, e outros nutrientes, como cálcio e ferro, tornando a suplementação necessária. Além disso, indivíduos obesos que frequentemente apresentam deficiência da vitamina D, apresentam maior gravidade da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), incluindo a esteatohepatite não alcoólica (NASH). Estudos indicam que a deficiência de vitamina D correlaciona-se com maior gravidade da DHGNA, como fibrose hepática, inflamação lobular e balonização hepatocelular. Esses achados sugerem um possível papel da vitamina D na patogênese da NASH, mediado por mecanismos inflamatórios e fibróticos16-17

Quanto ao risco de deficiência de vitamina B12, é comum no pós-operatório de cirurgia bariátrica, cuja origem é multifatorial. Isso ocorre porque há não apenas menor ingestão proteica, mas também redução da superfície estomacal disponível para a produção de ácido clorídrico e fator intrínseco, além da diminuição da área intestinal para absorção necessário para absorção adequada de B12. Dessa forma, o monitoramento e a suplementação adequada no pós-operatório tornam-se indispensáveis. 18

Conclusão

A obesidade é uma doença crônica complexa, de origem poligênica e influenciada por múltiplos fatores, que vai além do IMC e carrega um enorme estigma social. Muitas vezes, o tratamento medicamentoso ou cirúrgico é visto como uma alternativa fácil, o que pode levar à banalização do problema e dificultar a busca por ajuda adequada. Justamente por reconhecer essa complexidade, a nova classificação da obesidade surge como um marco, propondo uma avaliação multidimensional que integra genética, comorbidades, aspectos psicossociais e metabólicos, permitindo intervenções mais precisas e desmistificando ideias que impedem o acesso a cuidados adequados e políticas públicas efetivas.

 

Referências

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