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Neuropatia por deficiência de vitamina do complexo B

Neuropatia por deficiência de vitamina do complexo B

Dr. Paulo Camiz de Fonseca Filho CRM/SP 116.103 Formação e especialização pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professor colaborador de Clínica Geral no Hospital das Clínicas da FMUSP. Geriatra pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Membro da American College of Physicians (Sociedade Americana de Clínica Médica) e membro da American Geriatrics Society (Sociedade Americana de Geriatria).

Caso clínico

Paciente do sexo feminino, 67 anos de idade, compareceu à consulta médica geriátrica em razão de queixa de sensação de “formigamento nos pés” havia seis meses. Vinha apresentando também sensação de desânimo e tonturas desde o último ano, as quais a deixavam insegura ao sair de casa. Embora estivesse se adaptando à rotina, no último mês apresentou vários episódios em que quase caíra, permanecendo, portanto, mais isolada em casa _ “é como se tivesse dificuldade de sentir as pernas”, relatou.

Negou sintomas dispépticos, sangramentos genitais e outros sintomas neurológicos. Apresentava antecedentes de cirurgia bariátrica havia nove anos _ desde então, ingeria suplemento de sulfato ferroso diariamente. Negou ingesta de álcool e distúrbios da tireoide. Durante o exame físico, estava descorada +2/+4, ictérica +1/+4, com pressão arterial igual a 130 x 74 mmHg, pulso de 102 bpm e temperatura igual a 36,8°C. Cavidade oral: língua atrófica, sem hepatosplenomegalias e com exame cardiopulmonar normal.

No exame neurológico, foi identificada parestesia nas extremidades mais pronunciadas dos membros inferiores. Apresentou também diminuição da sensibilidade profunda vibratória e propriocepção nos membros inferiores e desequilíbrio ao andar - com marcha que lembrava ataxia (Tabelas 1 e 2 e Figura 1).

VCM: volume corpuscular médio; RDW: amplitude de distribuição dos glóbulos vermelhos.

                                                                                                                             Fonte: Autor.

 

Figura 1. Neutrófilo hiper segmentado em esfregaço de sangue periférico.

Tabela 2. Demais exames laboratoriais para elucidar a causa da anemia.

TGP: transaminase glutâmico-pirúvica; TGO: transaminase glutâmico-oxalacética; TSH: hormônio tireoestimulante; DHL: desidrogenase lática. Fonte: Autor.

Aventou-se hipótese diagnóstica de anemia megaloblástica secundária por deficiência de vitaminas do complexo B provavelmente decorrente de má absorção após cirurgia bariátrica. Iniciou-se reposição parenteral de cobalamina (B12) com 1.000 μg/d, tiamina (B1) e piridoxina (B6), durante sete dias, e dose semanal, durante quatro semanas. 

No retorno, após dois meses, a paciente apresentou significativa melhora da funcionalidade, com resolução da astenia e do distúrbio de marcha. A sensação de “queimação” em extremidades teve melhora apenas parcial. Os exames laboratoriais colhidos na época mostraram normalização de hemograma, bilirrubinas e DHL. O seguimento foi realizado com reposição parenteral em dose de 1.000 μg mensalmente.

Discussão do caso

No presente relato de caso, observa-se uma mulher idosa com quadro de neuropatia e anemia secundários e déficit de cobalamina (vitamina B12). Essa situação decorreu provavelmente da má absorção desse micronutriente, podendo ser uma complicação de cirurgias e distúrbios do trato gastrointestinal ¹,².

A cobalamina não é encontrada em plantas, sendo ingerida na dieta por meio de alimentos de origem animal³. Essa vitamina entra no trato gastrointestinal ligada às proteínas alimentares, precisando sofrer ação do ácido gástrico e pepsina para se desprender. Sob ação da digestão gástrica, a cobalamina é liberada e associa-se à glicoproteína R, secretada na saliva¹-³. Esse complexo é degradado no duodeno, sob efeito das enzimas pancreáticas, momento a partir do qual a vitamina B12 se associa ao fator intrínseco - uma glicoproteína secretada pelas células parietais do estômago². A vitamina B12 ligada ao fator intrínseco segue, então, para o íleo distal, onde é absorvida pela borda em escova ²,³.

O correto funcionamento desse trajeto é essencial para sua adequada absorção. Cabe ressaltar que a má absorção é o principal mecanismo dos distúrbios da vitamina B12¹,². Dessa forma, destaca-se o papel do fator intrínseco, que, além de evitar a degradação da cobalamina, é responsável por mediar a maior parte da sua absorção no epitélio ileal. Nesse contexto, doenças que acometem as células parietais gástricas (ex.: gastrite atrófica autoimune), assim como cirurgias nessa região (ex.: cirurgia bariátrica), reduzem a secreção de fator intrínseco, levando, por conseguinte, à carência de vitamina B12³.

Manifestações clínicas da deficiência de vitamina B12 no organismo acometem principalmente os sistemas hematológico e neurológico¹. A cobalamina tem papel essencial na síntese de DNA e RNA, atuando como cofator da reação de conversão de metiltetraidrofolato (forma circulante do folato) em tetraidrofolato (forma ativa intracelular). Por reduzir a disponibilidade do folato, material essencial à síntese dos ácidos nucleicos, a carência de cobalamina interrompe o ciclo celular, levando a erros na replicação e à apoptose4.

No sistema hematológico, observa-se anemia hipoproliferativa com volume corpuscular médio (VCM) aumentado¹-³. Com o decorrer da doença, pode ocorrer acometimento da série branca e de plaquetas, consequente ao fenômeno de maturação (eritropoiese) ineficaz e do acúmulo de precursores eritroides na medula óssea³. Nessas fases, há também importante elevação de marcadores de hemólise, como DHL e bilirrubina indireta.

No sistema neurológico, o qual representava a principal queixa da paciente, a carência de cobalamina pode causar déficits neuronais. A paresia em extremidades costuma ser a alteração mais precoce, acometendo predominantemente os membros inferiores². A alteração da sensibilidade profunda é uma característica típica, sendo decorrente do efeito sobre o cordão posterior da medula espinhal - levando à perda das sensibilidades profunda e vibratória¹-³. Por consequência, desequilíbrio e marcha atáxica podem ser observados como resultado da perda da propriocepção. Em casos mais avançados, pode haver sinais de síndrome piramidal - quadro que exige tratamento em caráter de urgência. Por fim, cabe ressaltar que a deficiência de vitamina B12 também estabelece diagnóstico diferencial entre as causas reversíveis de demência².

 

O tratamento do quadro carencial ocorre tradicionalmente com a reposição parenteral de vitamina B12, podendo, inicialmente, manifestar-se com altas doses e ser mantido com injeções mensais 5. A resposta clínica costuma ser ótima, com normalização dos parâmetros laboratoriais e da anemia nas primeiras semanas 2,5. Já o quadro neurológico possui resposta mais lenta - por volta de quatro a cinco meses -, podendo ocorrer sequelas neurológicas caso o tratamento demore muito tempo para ser instaurado.

Considerações Finais

As vitaminas B1, B6 e B12 exercem papel fundamental no nosso metabolismo. A B12 em especial, tema de três prêmios Nobel, que se mostrou baixa no caso acima, tem papel principalmente na metabolização de DNA, sendo causa de neuropatia, demência, anemia megaloblástica (frequentemente com pancitopenia) e as células com grande “turnover” sofrem mais pela maior necessidade de ácidos nucleicos. A vitamina B1 tem papel relacionado à produção de energia e a vitamina B6 é cofator de diversas enzimas relacionadas principalmente ao metabolismo dos aminoácidos. Nada pode estar faltando. A reposição é simples e os resultados são vistos num curto espaço de tempo sem risco de toxicidade por excesso de reposição.

Referências Bibliográficas 

1. Goldman, L. Goldman’s Cecil Medicine. 25. ed. Filadélfia: Elsevier Saunders, 2016. 2. Arruda M. Clínica médica. 2. ed. São Paulo: Manole, 2016. 3. Stabler SP. Clinical practice. Vitamin B12 deficiency. N Engl J Med. 2013;368(2):149-60. 4. Devalia V, Hamilton MS, Molloy AM, British Committee for Standards in Haematology. Guidelines for the diagnosis and treatment of cobalamin and folate disorders. Br J Haematol. 2014;166(4):496-513. 5. Green R. Vitamin B12 deficiency from the perspective of a practicing hematologist. Blood. 2017;129(19):2603-11.

As opiniões emitidas nesta publicação são de inteira responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a opinião da Conectfarma® Publicações Científicas Ltda. nem do Laboratório Myralis.

 

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