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Fome Oculta - Deficiência de Micronutrientes

DEFINIÇÃO

A “fome oculta” é a deficiência de micronutrientes na presença de uma dieta deficiente em energia1. As deficiências mais relevantes para a saúde pública são as de ferro, zinco, vitamina A, iodo e folato, e as crianças com menos de 5 anos de idade apresentam maior risco2.

EPIDEMIOLOGIA

Prevalência nacional da deficiência de micronutrientes em crianças <5 anos2:

·         Anemia: 10,0%

·         Anemia ferropriva: 3,5%

·         Deficiência de vitamina A: 6,0%

·         Insuficiência de vitamina D: 4,3%

·         Deficiência de zinco: 17,8%

·         Deficiência de vitamina B12: 14,2%

Globalmente, 372 milhões de crianças em idade pré-escolar (entre 6 meses e 5 anos de idade) e 1,2 bilhão de mulheres não gestantes em idade reprodutiva (de 15 a 49 anos de idade) apresentam uma ou mais deficiências de micronutrientes3.
A deficiência de micronutrientes afeta o crescimento linear das crianças, reduz a imunocompetência e leva ao desenvolvimento cognitivo subótimo. Como consequência, ela impede o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade como um todo4.

A deficiência nutricional afeta o desenvolvimento neurológico. O ácido docosa-hexaenoico (DHA), o ferro, o zinco e as vitaminas B12 e folato estão envolvidos diretamente em processos de5,6:

·         proliferação de neurônios;

·         crescimento de dendritos e axônios;

·         formação, poda e funcionamento das sinapses;

·         mielinização;

·         prevenção da apoptose.

·         O DHA é fundamental para o desenvolvimento infantil, principalmente para a visão e o sistema nervoso central7.

·         Crianças de 6 e 24 meses de idade não amamentadas devem receber DHA pelo leite7.

·         Crianças com mais de 24 meses de idade devem ter garantida a ingestão adequada e suficiente de lipídeos ômega-3 para a produção endógena de DHA7.

·         Para a deficiência comprovada, deve-se considerar a suplementação de DHA7.

 

Qual a importância dos micronutrientes na infância?

Vitamina A

Vitamina B12 Folato Ferro Zinco
A vitamina A tem papel essencial no sistema imunológico8. Ela participa do controle do crescimento e da diferenciação celular, principalmente nas mucosas8. A cobalamina (vitamina B12) é um cofator para as enzimas essenciais para o metabolismo mitocondrial, resposta imunológica, preservação da integridade do DNA e neurônios, síntese de neurotransmissores e produção de células sanguíneas8. O folato (vitamina B9) tem papel crítico como cofator no metabolismo de aminoácidos e de precursores do ácido nucleico, além de participar em reações de metilação8. A deficiência de ferro afeta negativamente a imunidade e o desenvolvimento das funções cognitivas e psicomotoras9,10. Dados sugerem também que a deficiência de ferro pode levar a uma resposta inadequada à vacinação11. O zinco é essencial para o funcionamento do sistema imunológico e a saúde geral12, tendo papéis estruturais, catalíticos e de regulação no corpo humano8.

 

Nas últimas três décadas, a fome oculta se tornou mais frequente que a fome crônica13: a deficiência de micronutrientes afeta principalmente pessoas em países de baixa e média renda, onde a dieta da população é pouco diversificada, limitada pela pobreza e se apoia em alimentos de baixo custo e baixo valor calórico1.

A figura 1 mostra dados nacionais recentes sobre a deficiência de micronutrientes2.

Figura 1a. Prevalência de deficiência de vitamina A entre crianças de 6 a 59 meses de idade, por faixa etária, para o Brasil e segundo macrorregião

Figura 1b. Prevalência de insuficiência de vitamina D entre crianças de 6 a 59 meses de idade para o Brasil e segundo macrorregião

Figura 1c. Prevalência de deficiência de zinco entre crianças de 6 a 59 meses de idade, por faixa etária, para o Brasil e segundo macrorregião

ⵊ: Intervalo de confiança de 95%.

Adaptada de: Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI-2019)2.

DIAGNÓSTICO

A fome oculta deve ser ativamente investigada nas consultas pediátricas. Na anamnese, é importante avaliar o hábito alimentar dos pacientes, o ambiente sócio-econômico da família e a presença de seletividade alimentar. A fome oculta deve ser avaliada em crianças com infecções de repetição, atraso de desenvolvimento neuro-psico-motor, alterações de pele e mucosas, déficits de crescimento físico4.

É possível a dosagem sérica de ferro, zinco, vitamina A, iodo e folato. Até o momento, a dosagem de DHA é realizada apenas de forma experimental, sendo que a mais utilizada é a análise das membranas das hemácias14.

 

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

As estratégias para abordar as deficiências de micronutrientes envolvem, além de políticas públicas nutricionais, a diversificação da dieta, a fortificação de alimentos e a suplementação de micronutrientes4. (Figura 2)

O uso de suplementos contendo micronutrientes é uma importante estratégia na prevenção e tratamento das consequências da fome oculta. Já foi demonstrado que, para o ferro, por exemplo, a fortificação de alimentos e os programas de suplementação são altamente efetivos para evitar o desenvolvimento cognitivo inadequado10.

Essa é uma preocupação de várias entidades8,15. No Brasil, o Ministério da Saúde tem três programas e estratégias para a prevenção de deficiências de micronutrientes baseados na suplementação profilática: o NutriSUS, a fortificação da alimentação infantil com micronutrientes em pó, o Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF) e o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNSVA)14.

Figura 2. Estratégias gerais de abordagem da fome oculta

Adaptada de: Bechoff A, et al. Curr Dev Nutr. 2023 Jan 28;7(2):1000334.

Referências

  1. Lowe NM. The global challenge of hidden hunger: perspectives from the field. Proc Nutr Soc. 2021 Aug;80(3):283-9.
  2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Biomarcadores do estado de micronutrientes: prevalências de deficiências e curvas de distribuição de micronutrientes em crianças brasileiras menores de 5 anos 3: ENANI 2019. Rio de Janeiro, RJ: UFRJ; 2021. (156 p.) Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj. br/index.php/relatorios/. Acesso em: 23 nov. 2023.
  3. Stevens GA, Beal T, Mbuya MNN, Luo H, Neufeld LM; Global Micronutrient Deficiencies Research Group. Micronutrient deficiencies among preschool-aged children and women of reproductive age worldwide: a pooled analysis of individual-level data from population-representative surveys. Lancet Glob Health. 2022 Nov;10(11):e1590-9.
  4. Bechoff A, de Bruyn J, Alpha A, Wieringa F, Greffeuille V. Exploring the Complementarity of Fortification and Dietary Diversification to Combat Micronutrient Deficiencies: A Scoping Review. Curr Dev Nutr. 2023 Jan 28;7(2):100033.
  5. Prado EL, Dewey KG. Nutrition and brain development in early life. Nutr Rev. 2014 Apr;72(4):267-84.
  6. Heland S, Fields N, Ellery SJ, Fahey M, Palmer KR. The role of nutrients in human neurodevelopment and their potential to prevent neurodevelopmental adversity. Front Nutr. 2022 Nov 22;9:992120.
  7. Nogueira-de-Almeida CA, Ribas Filho D, Philippi ST, Pimentel CVMB, Korkes HA, Mello ED, et al. II Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia sobre recomendações de DHA durante gestação, lactação e infância. Disponível em: https://dsmnutritionacademy.com/wp-content/uploads/2022/10/Consenso-DHA-ABRAN-PT-READING.pdf. Acesso em: 23 nov. 2023.
  8. Berger MM, Shenkin A, Schweinlin A, Amrein K, Augsburger M, Biesalski HK, et al. ESPEN micronutrient guideline. Clin Nutr. 2022 Jun;41(6):1357-424.
  9. Jonker FAM, Te Poel E, Bates I, Boele van Hensbroek M. Anaemia, iron deficiency and susceptibility to infection in children in sub-Saharan Africa, guideline dilemmas. Br J Haematol. 2017 Jun;177(6):878-83.
  10. Pivina L, Semenova Y, Doşa MD, Dauletyarova M, Bjørklund G. Iron Deficiency, Cognitive Functions, and Neurobehavioral Disorders in Children. J Mol Neurosci. 2019 May;68(1):1-10.
  11. Zimmermann MB. Global look at nutritional and functional iron deficiency in infancy. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2020 Dec 4;2020(1):471-7.
  12. Maywald M, Rink L. Zinc in Human Health and Infectious Diseases. Biomolecules. 2022 Nov 24;12(12):1748.
  13. Lenaerts B, Demont M. The global burden of chronic and hidden hunger revisited: New panel data evidence spanning 1990-2017. Glob Food Sec. 2021 Mar;28:100480.
  1. Hoffman DR, Birch E, Birch D, et al. Impact of early dietary intake and blood lipid composition of long-chain polyunsaturated fatty acids on later visual development. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2000;31: 540–53.
  2. Ministério da Saúde. Caderno dos Programas Nacionais de Suplementação de Micronutrientes. 2022. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_programas_nacionais_suplementacao_micronutrientes.pdf. Acesso em: 23 nov. 2023

 

 

 

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