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Efeitos da suplementação gestacional de colina no neurodesenvolvimento

Cada vez mais, pesquisas destacam o papel fundamental da nutrição para a promoção da saúde e bem-estar da gestante e, sobretudo, para o desenvolvimento do feto. Durante a gestação, é fundamental garantir a disponibilidade adequada de nutrientes como o ácido fólico, ferro, iodo e, em especial, a colina.

A colina é um nutriente essencial que pode ser produzido pelo organismo humano em pequenas quantidades. No entanto, a maioria das pessoas precisa obtê-la a partir de fontes alimentares ou suplementação para evitar possíveis deficiências.

PAPEL FISIOLÓGICO DA COLINA

A colina pertence à classe das vitaminas do complexo B e desempenha um papel essencial como precursor na biossíntese de metabólitos de grande importância para o organismo humano, como a acetilcolina, um neurotransmissor crucial para o funcionamento cerebral [1].

Ela desempenha ainda um papel significativo no metabolismo lipídico e na função hepática e muscular, sendo importante para o transporte e metabolismo de lipídios e colesterol. A colina faz parte também dos fosfolipídios que compõem as membranas biológicas, desempenhando funções na estrutura e funcionalidade das membranas, incluindo a sinalização, transporte e reparo celular [2].

Além disso, a colina tem a capacidade de modificar a metilação e a expressão gênica, o que pode afetar a atividade neuronal. Pesquisas indicam que a colina desempenha um papel no desenvolvimento saudável do cérebro e do sistema nervoso, e sua ingestão adequada é fundamental para a saúde ao longo da vida [3].

RELAÇÃO DA COLINA COM NEURODESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento cerebral é um processo complexo que começa durante a gestação e continua nos meses após o nascimento. Durante a gestação, a insuficiência de colina pode interferir em processos de migração, proliferação, apoptose e diferenciação de células progenitoras fetais, com potenciais consequências negativas para o desenvolvimento cerebral.

Pesquisas revelam que os fosfolipídios de colina no córtex cerebral diminuem de 50% (fetos) para 45% (lactentes), chegando a 38% em crianças de 2 anos. A privação de colina durante o desenvolvimento pode comprometer a função cognitiva, uma vez que o período perinatal é crucial para a organização colinérgica do cérebro [4].

Estudos pré-clínicos demonstraram que a suplementação de colina durante a gestação e o período perinatal em roedores melhora o desempenho cognitivo, a responsividade eletrofisiológica e o tamanho dos neurônios na prole, ressaltando a importância da colina na neurogênese e na memória ao longo da vida [5].

Outras pesquisas indicam ainda que as células progenitoras neurais do hipocampo fetal precisam de colina para realizar a síntese de membranas e metilação. Em especial, a colina atua na modificação da metilação do DNA cerebral e das histonas, influenciando a expressão gênica e a codificação de proteínas relacionadas à memória e aprendizado [7,8].

Em recente revisão sistemática, pesquisadores avaliaram os atuais avanços e a qualidade das evidências acerca dos benefícios da colina para o neurodesenvolvimento fetal em 54 estudos (incluindo ensaios clínicos e pré- clínicos) disponíveis na base de dados PubMed [2].

Um dos principais critérios de inclusão da revisão foi ter foco no papel da colina no desenvolvimento neurológico e na função cerebral durante os primeiros 1000 dias de vida, um período amplamente reconhecido como uma “janela de oportunidade” no desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental de uma criança [2].

Os primeiros 1000 dias abrangem o período que engloba a nutrição materna durante a gestação e a alimentação da criança nos primeiros 2 anos de vida. Durante esse período, a presença de certos nutrientes desempenha um papel vital no desenvolvimento saudável do cérebro, sendo a colina um exemplo notável, conforme o estudo destaca [2].

EVIDÊNCIAS CLÍNICAS

Na revisão sistemática, foram identificados um grande volume de evidências científicas sugerindo que a suplementação com colina na dieta materna ou infantil durante os primeiros 1000 dias poderia auxiliar no desenvolvimento normal do cérebro, proteger contra insultos neurais e metabólicos, particularmente quando o feto é exposto ao álcool, e melhorar o funcionamento neural e cognitivo [2].

Em estudo clínico randomizado e duplo-cego, 26 mulheres gestantes (terceiro trimestre) foram suplementadas com quantidades definidas de colina ao dia (480 ou 930 mg/dia) até o momento do parto [9].

Segundo os principais resultados do ensaio, os bebês das mães que foram suplementadas com 930 mg de colina tiveram uma velocidade de processamento de informações maior quando comparada a suplementação de 480 mg [9].

Posteriormente, estas mesmas crianças foram avaliadas quanto a sua capacidade cognitiva. As crianças do grupo 930 mg de colina/dia alcançaram níveis mais altos em tarefas computadorizadas de memória de localização de cores do que o grupo de colina em dose mais baixa, indicando um tempo de memória superior, sugerindo um efeito benéfico a longo prazo da suplementação pré-natal na cognição [10].

Estes resultados corroboram com outros achados clínicos, em que a suplementação de gestantes com o dobro dos níveis habituais de colina melhorou o limiar sensorial auditivo em lactentes de 5 semanas de idade [10]. Aos 40 meses de idade, essas crianças apresentaram menos problemas de atenção e eram menos retraídas socialmente [11].

Além disso, foram identificados estudos focados em grávidas que consumiam álcool e como a suplementação de colina pode mitigar os efeitos adversos da exposição pré-natal ao álcool. A suplementação de colina foi associada a melhorias no crescimento infantil, na função cognitiva e na memória de reconhecimento visual em bebês expostos ao álcool durante a gestação [2].

Portanto, de acordo com as atuais evidências, é imprescindível garantir o suprimento de colina a gestantes para propiciar um neurodesenvolvimento fetal efetivo. Além disso, durante a gravidez as necessidades de colina aumentam devido ao rápido crescimento das células fetais [2].

Por outro lado, a ingestão inadequada de colina é um problema crescente em muitas partes do mundo. Estudos indicam que a ingestão média do nutriente está abaixo das recomendações em várias populações [2]. Isso levanta preocupações sobre os possíveis impactos negativos no neurodesenvolvimento de crianças devido à falta desse nutriente essencial e reforça a importância da sua suplementação.

 

Referências:

  • Wallace TC, Blusztajn JK, Caudill MA, Klatt KC, Zeisel SH. Choline: The Neurocognitive Essential Nutrient of Interest to Obstetricians and Gynecologists. J Diet Suppl. 2020;17(6):733- doi: 10.1080/19390211.2019.1639875
  • Derbyshire E, Obeid Choline, Neurological Development and Brain Function: A Systematic Review Focusing on the First 1000 Days. Nutrients. 2020 Jun 10;12(6):1731. doi: 10.3390/nu12061731
  • Bekdash Choline, the brain and neurodegeneration: insights from epigenetics. Front Biosci (Landmark Ed). 2018 Jan 1;23(6):1113-1143. doi: 10.2741/4636
  • Svennerholm L, Vanier MT. The distribution of lipids in the human nervous system. II. Lipid composition of human fetal and infant Brain Res. 1972 Dec 12;47(2):457-68. doi: 10.1016/0006-8993(72)90652-x
  • McCann JC, Hudes M, Ames BN. An overview of evidence for a causal relationship between dietary availability of choline during development and cognitive function in offspring. Neurosci Biobehav 2006;30(5):696-712. doi: 10.1016/j.neubiorev.2005.12.003
  • Zeisel The supply of choline is important for fetal progenitor cells. Semin Cell Dev Biol. 2011 Aug;22(6):624-8. doi: 10.1016/j.semcdb.2011.06.002
  • Blusztajn JK, Slack BE, Mellott Neuroprotective Actions of Dietary Choline. Nutrients. 2017 Jul 28;9(8):815. doi: 10.3390/nu9080815
  • Caudill MA, Strupp BJ, Muscalu L, Nevins JEH, Canfield Maternal choline supplementation during the third trimester of pregnancy improves infant information processing speed: a randomized, double-blind, controlled feeding study. FASEB J. 2018 Apr;32(4):2172-2180. doi: 10.1096/fj.201700692RR
  • Bahnfleth C, Canfield R, Nevins J, Caudill M, Strupp B. Prenatal Choline Supplementation Improves Child Color-location Memory Task Performance at 7 Y of Age (FS05-01-19). Curr Dev 2019 Jun 13;3(Suppl 1):nzz052.FS05-01-19. doi: 10.1093/cdn/nzz052.FS05-01-19
  • Ross RG, Hunter SK, McCarthy L, Beuler J, Hutchison AK, Wagner BD, Leonard S, Stevens KE, Freedman Perinatal choline effects on neonatal pathophysiology related to later schizophrenia risk. Am J Psychiatry. 2013 Mar;170(3):290-8. doi: 10.1176/appi.ajp.2012.12070940
  • Ross RG, Hunter SK, Hoffman MC, McCarthy L, Chambers BM, Law AJ, Leonard S, Zerbe GO, Freedman Perinatal Phosphatidylcholine Supplementation and Early Childhood Behavior Problems: Evidence for CHRNA7 Moderation. Am J Psychiatry. 2016 May 1;173(5):509-16. doi: 10.1176/appi.ajp.2015.15091188
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