DEFINIÇÃO
A depressão é caracterizada por episódios distintos de pelo menos duas semanas de duração envolvendo alterações nítidas no afeto, na cognição e em funções neurovegetativas, apresentando remissões entre os episódios.
A depressão é diferente da tristeza e do luto normais1.
Por um longo tempo, a depressão na infância não foi considerada uma doença real. Acreditava-se que as crianças eram imaturas demais para sentir as emoções da depressão, eliminando a possibilidade de ocorrência da doença clínica na idade pré-escolar. Além disso, a depressão era frequentemente confundida com as dificuldades comportamentais e sociais da infância2.
Critérios diagnósticos1
A. Cinco ou mais dos sintomas a seguir, presentes durante duas semanas, quase todos os dias, e que representam mudança em relação ao funcionamento anterior. 1. Humor deprimido na maior parte do dia ou humor irritável, em crianças e adolescentes. 2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia. 3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta, ou redução ou aumento do apetite. Em crianças, incapacidade de ganho do peso esperado. 4. Insônia ou hipersonia. 5. Agitação ou retardo psicomotor. 6. Fadiga ou perda de energia. 7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada. 8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão. 9. Pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida recorrente sem plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio. |
B. Os sintomas devem causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou áreas importantes da vida do indivíduo. |
C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica. |
Diagnósticos diferenciais1 | |
· Episódios maníacos com humor irritável ou episódios mistos · Transtorno do humor devido a outra condição médica · Transtorno depressivo ou bipolar induzido por substância/medicamento · Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade · Transtorno de adaptação com humor deprimido · Tristeza |
Períodos de tristeza são inerentes à experiência humana, mas a tristeza não deve ser diagnosticada como episódio depressivo, a menos que atenda aos critérios de gravidade, duração e gere sofrimento ou prejuízo clinicamente significativos |
Quadro clínico3
Sintomas gerais3 | Sintomas inespecíficos em crianças menores de 12 anos de idade3 |
· Sentimento de culpa ou baixa autoestima; · Dificuldade de tomar decisões; · Distúrbios do sono, como sonolência excessiva, insônia, despertar precoce; · Humor deprimido, apatia; · Desinteresse pelas atividades habituais e por brincadeiras; · Redução da energia ou irritabilidade/agitação; · Dificuldade de concentração; · Alterações do apetite, desde hiperfagia à anorexia e alterações do peso; · Agitação psicomotora ou lentidão; · Pensamentos suicidas, comportamento de autoinjúria. |
· Queixas somáticas: dor abdominal, cefaleia, náuseas, dores em membros inferiores; · Choro fácil; · Comportamento de roer unhas ou morder lápis, mutismo seletivo abrupto, maneirismos e tiques; · Distúrbios do sono, como insônia, medo de dormir sozinho, pesadelos frequentes, terror noturno, sonolência excessiva; · Enurese noturna; · Recusa em ir à escola; · Dificuldades escolares e queda do rendimento escolar; · Agitação, irritabilidade, agressividade; · Comportamento opositor. |
Estes sintomas devem estar presentes por mais de duas semanas e acarretar prejuízo funcional ou social3 |
A depressão na infância é um problema de saúde pública significativo
A prevalência aumenta com a idade: De 3% antes dos 13 anos para 8% na adolescência4.
O impacto da doença é alto e pode durar a vida toda, apresentando alta taxa de recorrência4.
O impacto da doença inclui4
· Risco de suicídio;
· Funcionamento social e acadêmico inadequado;
· Problemas de relacionamento;
· Obesidade;
· Transtornos mentais comórbidos.
Apesar da evidência de tratamentos efetivos, em 2016, apenas 40,9% dos adolescentes com transtorno depressivo maior receberam tratamento4.
No Brasil3
A prevalência real da depressão é desconhecida, mas estima-se que está se tornando um problema de saúde pública, pois entre adolescentes e crianças tem havido aumento de:
· Tentativas de suicídio;
· Casos de suicídio;
· Comportamento de automutilação, principalmente em meninas. Estudo em Recife com adolescentes de 14-16 anos de idade3:
· Sintomas depressivos expressivos: 59,9%;
· Sintomas de ansiedade: 19,9%.
Os principais fatores de risco para a depressão na infância são3 | |||
Vida familiar |
· Problemas emocionais graves durante a gestação · Depressão materna · Tentativa de suicídio em parente próximo · História familiar de depressão ou transtornos psiquiátricos · Terceirização da infância com redução do tempo de presença dos pais |
Estresse e abuso |
· Estresse tóxico na infância: o Agressões físicas, morais e verbais o Excesso de cobrança o Abuso sexual o Falta de afeto e de presença qualitativa dos pais o Exposição precoce ao trabalho infantil o Perda recente da figura de referência |
Vida digital |
· Cyberbullying · Exposição excessiva às telas, como TV, tablets e celulares · Exposição a conteúdos inadequados ou violentos (games, vídeos, filmes, desenhos e mensagens de texto) · Privação crônica de sono por: o Horários inadequados de dormir e despertar o Quantidade insuficiente de horas de sono pela faixa etária |
Saúde e convivência |
· Quadro de ansiedade excessiva · Oportunidades restritas para brincar · Pouca convivência com pares · Tempo ao ar livre e brincadeiras na natureza limitadas |
DEPRESSÃO E SUÍCIDIO
O suicídio é um grave problema de saúde pública que atinge todas as faixas etárias. Aspectos psicológicos, sociais, econômicos, biológicos e culturais estão envolvidos na ocorrência de suicídio. Na infância, esse número tem aumentado5.
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De forma geral, as crianças5: |
São fatores predisponentes para o suicídio na infância5: · Problemas escolares, principalmente o bullying e o rendimento ruim; · Histórico de violência física e sexual e conflitos familiares; · A morte de parente ou pessoa próxima por suicídio. |
Metade das crianças que cometem suicídio apresenta algum transtorno mental5: · Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade; · Transtorno de personalidade antissocial; · Depressão. |
· Têm capacidade e compreensão do ato suicida; · Dão menos pistas verbais do seu desejo de morrer; · São mais impulsivas na tentativa de suicídio; · Próximo ao suicídio, mostram mudanças de comportamento e de atitude, falta de interesse em atividades prazerosas, abstenção da escola e isolamento social. |
Por isso, é essencial conversar com as crianças sobre o suicídio5. |
Há uma relação intrínseca entre transtornos mentais e suicídio em crianças5 |
Essas crianças possuem estratégias de enfren- tamento de situações de estresse5. |
TRATAMENTO³
Diante de uma criança em risco, devem-se instituir3
· Organização da rotina de sono, com horário e tempo satisfatórios por idade;
· Tempo e conteúdo de tela, de acordo com as recomendações por idade;
· Brincadeiras;
· Tempo qualitativo com os pais;
· Orientações à escola;
· Atividades físicas durante cerca de 60 minutos ao dia;
· Atividades de lazer;
· Técnicas de relaxamento ou mindfulness.
Para as crianças com diagnóstico de depressão, a criança e a família devem ser encaminhadas para psicoterapia. Em alguns casos, a farmacoterapia deve ser instituída3.
O treinamento de pais e parentes para proporcionar um ambiente afetuoso, harmonioso, estimulante, com manejo comportamental equilibrado, brincadeiras e reforço positivo é fundamental para a recuperação clínica e prevenção de recidivas na infância3
Importância de apoio e proteção
· O apoio de pais e família é o fator mais consistentemente relacionado à proteção das crianças e adolescentes contra a depressão6;
· O apoio dos pais é particularmente importante para as meninas6;
· Embora o apoio social de amigos seja importante para o desenvolvimento psicológico das crianças, ele não está relacionado, de forma consistente, à proteção contra a depressão6.
A capacitação e a educação sobre depressão na infância para profissionais de saúde, famílias e educadores são essenciais para garantir o reconhecimento da existência de sofrimento e
disfunção social na infância, a fim de que a criança possa ser encaminhada para atendimento médico, diagnosticada e tratada precocemente. Isso pode evitar as possíveis consequências graves da depressão na infância, assim como o sofrimento para a criança e sua família2
Referências
- American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5. Porto Alegre: Artmed; 2014.
- Tavormina MGM, Tavormina Depression in Early Childhood. Psychiatr Danub. 2022 Sep;34(Suppl 8):64-70.
- Sociedade de Pediatria de São Depressão na infância e adolescência. Documento Científico no 8, ago. 2019. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_21999c-DocCient_-
_Depressao_na_infancia_e_adolescencia.pdf. Acesso em: 30 nov. 2023.
- Forman-Hoffman VL, Viswanathan M. Screening for Depression in Pediatric Primary Care. Curr Psychiatry Rep. 2018 Jul 23;20(8):62.
- Sousa GS, Santos MSPD, Silva ATPD, Perrelli JGA, Sougey EB. Revisão de literatura sobre suicídio na infância. Cien Saúde Colet. 2017 Sep;22(9):3099-110.
- Gariépy G, Honkaniemi H, Quesnel-Vallée Social support and protection from depression: systematic review of current findings in Western countries. Br J Psychiatry. 2016 Oct;209(4):284-93.