Desde o início da pandemia, no final de 2019, o mundo passa por uma tensão generalizada. No Brasil, especificamente, o clima intensifica-se em março desse ano, quando o estado de isolamento social é instaurado. A Covid-19 traz consigo, além dos aspectos biológicos, inúmeras preocupações que têm aumentado consideravelmente a incidência de doenças psicológicas como a depressão, ansiedade, transtornos alimentares, síndrome do pânico, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e, possivelmente, após a estabilização de toda a situação, acarretará números casos de estresse pós-traumático.
As incertezas clínicas sobre a infecção, somadas às inúmeras mortes noticiadas diariamente, os diversos problemas enfrentados no Sistema Único de Saúde (SUS), a crise financeira, a quarentena e até mesmo a guerra política veiculada diariamente na grande mídia são apenas alguns dos fatores que contribuem para esse agravamento.
De acordo com um levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 35% da população chinesa sofre de profunda angústia desde o início da pandemia. Nos Estados Unidos (EUA), 45% das pessoas foram psicologicamente impactadas, enquanto, no Irã, esse número sobe para 60%. Dessa forma, o secretário-geral da entidade, António Guterres emitiu um alerta aos governantes dos países que combatem a doença para que passem a investir nas necessidades da população em relação aos cuidados psicológicos. “Após décadas de negligência e subinvestimento em serviços de saúde mental, a pandemia de Covid-19 agora está atingindo famílias e comunidades com estresse mental adicional”, afirma.
Esses transtornos impactam diretamente na qualidade de vida das pessoas e podem se prolongar até mesmo após a pandemia. Maus hábitos como o uso de álcool e outras drogas tendem a aumentar, em uma vã tentativa do paciente de amenizar sintomas típicos de doenças psicológicas, como a fadiga e cansaço extremo, falta ou aumento de apetite, tristeza profunda, taquicardia, alterações no sono, irritabilidade, perda do prazer, sudorese, tremores e, em alguns casos, o desejo pela morte.
Dessa forma, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orientou que os governos limitassem os acessos a bebidas alcoólicas nos países, uma vez que a dependência da substância, em condições normais, já é responsável por 3 milhões de mortes ao ano e, durante o surto do novo coronavírus, esse número tende a aumentar.
Quem são os mais atingidos?
A população, em um contexto geral, é amplamente afetada por essas doenças psicológicas. Mas, determinados fatores tornam alguns indivíduos mais propensos a desenvolver transtornos mentais nesse período do que outros. Dentre os mais afetados estão as pessoas que já sofreram com transtornos psicológicos ou até mesmo possuem histórico na família. Uma vez que essas doenças estão intimamente ligadas aos processos biológicos de seu organismo.
Os profissionais da saúde também estão entre os grupos com o psicológico mais afetado, principalmente aqueles que atuam na linha de frente dos atendimentos. A exposição diária ao vírus, as inúmeras perdas de colegas para a doença, a densa carga horária de trabalho e a responsabilidade com as vidas atendidas transformam-se em uma grande carga emocional. De acordo com uma pesquisa da PubMed realizada em 2018, cerca de 45% dos médicos brasileiros entrevistados já sofriam com a Síndrome de Burnout– transtorno psicológico intimamente ligado ao trabalho, que leva a um quadro depressivo de esgotamento físico e mental– naquela época.
Recentemente, a ONU destacou que as mulheres também têm maior tendência a desenvolver transtornos psicológicos durante o surto de Covid-19. O principal motivo é que, mesmo nos dias de hoje, o gênero feminino ainda é o maior responsável pelas tarefas domésticas, cuidados com os filhos, somado às suas profissões. Por isso, a sensação de ser a pessoa incumbida pelo zelo integral de seus familiares colocam-nas em uma posição de muita preocupação, levando-as, na grande maioria das vezes, a quadros depressivos ou de ansiedade.
Pessoas do grupo de risco também estão mais vulneráveis a esses transtornos. A preocupação e medo diário de contrair a doença podem resultar em abalos mentais. No caso da terceira idade, essa situação intensifica-se ainda mais, pois, a constante sensação de abandono, que já era frequentemente relatada antes mesmo da crise de saúde, aumenta à medida que a pandemia e a necessidade de manter a quarentena se estende. Além do mais, as interações sociais passam a ser muito condicionadas ao virtual e, na maioria das vezes, acabam excluindo boa parte da população idosa.
Como prevenir transtornos psicológicos na pandemia
Pequenas ações diárias podem ser muito eficazes na prevenção e até mesmo reversão de quadros psíquicos durante a pandemia. E, podem evitar que se torne um problema crônico. Pequenos gatilhos do dia a dia são passíveis de virar grandes problemas, se não evitados. Vejamos:
Consumo de notícias
Um dos fatores que mais agravam a sensação de total insegurança durante a crise de saúde é a ininterrupta veiculação de informações negativas a respeito do cenário nacional e mundial da doença. As milhares de mortes, a ascensão da curva de contaminação, a falta de leitos e outros problemas que diariamente são apresentados na grande e pequena mídia são responsáveis por boa parte do estresse emocional instaurado.
É superimportante manter-se informado, mas o consumo excessivo desse tipo de conteúdo pode causar danos à saúde que traçam um longo caminho até o seu reparo. É extremamente necessário filtrar a quantidade e qualidade de informações recebidas diariamente para que não se tornem sinônimo de depressão, ansiedade, pânico e outros transtornos. Dessa forma, a limitação de um tempo diário máximo de dedicação à essas notícias pode ser uma ótima forma de diminuir os impactos negativos desse fenômeno.
Além do mais, a onda de fake news propagada em redes sociais como o Facebook e WhatsApp aumentam ainda mais a desinformação e contribui para que, não somente os verdadeiros fatos sobre a atual situação sejam uma preocupação, mas também diversos dados duvidosos. Torna-se necessário, então, um grande esforço individual no momento de usufruir das mídias sociais, que aumentam ainda mais a tensão.
Má alimentação
Uma alimentação equilibrada auxilia também na saúde mental, uma vez que, para o bom funcionamento do cérebro, é importante que as necessidades diárias de vitaminas e minerais sejam atendidas.
Os bons hábitos alimentares, além de evitar processos inflamatórios que prejudicam o psicológico, ainda garantem que substâncias diretamente ligadas à produção de serotonina– como a vitamina D– estejam abastecidas, diminuindo a incidência de quadros depressivos. Alimentos como frutas, laticínios, castanhas, folhas verdes e soja são ricos em componentes que promovem o bem estar e a felicidade.
Para além, durante o estado de isolamento social, as pessoas passam a reclamar sobre compulsão alimentar e o ganho de peso, e acabam se cobrando excessivamente sobre a necessidade de manter os padrões estéticos estabelecidos socialmente. Entretanto, mediante a atual situação, esse tipo de obrigação torna-se extremamente prejudicial à psique. As refeições devem, também, ser um momento de prazer e não de preocupação e aumento do estresse mental.
Sedentarismo
O Brasil é um país onde há uma enorme incidência de sedentarismo. Segundo a OMS, em 2018, 47% dos brasileiros adultos não praticavam nenhum tipo de atividade física. A recomendação padrão da instituição é de ao menos duas horas e meia de exercícios moderados por semana para que o indivíduo seja considerado ativo. Isso significa pouco mais de 12 minutos diários.
De lá para cá, muita coisa mudou e, com o isolamento social e as limitações às práticas de exercício físico, o sedentarismo torna-se uma condição instaurada na vida da grande maioria das pessoas. Por isso, a prática é extremamente importante, não somente para manter a saúde física, mas também mental. Durante o desempenho dessas atividades, o corpo libera uma série de endorfinas capazes de promover o relaxamento, bem estar e a sensação de felicidade.
Mesmo com as diversas limitações do cenário atual, a prática diária de exercícios físicos, ainda que em casa, podem promover a prevenção ou até mesmo diminuição de sintomas relacionados aos transtornos mentais.
Atividades do dia a dia
Durante a pandemia e, principalmente, no período de quarentena, milhares de pessoas foram altamente impactadas em relação ao seu dia a dia. Trabalho, estudo, vida social, tudo fica completamente estagnado. Muitos já estão voltando às suas rotinas, outros esperam a total normalização para que isso ocorra. O fato é: a grande maioria da população vive um período de ócio, muito propício a desenvolver os inúmeros transtornos mentais.
Os relatos de pessoas que desenvolveram compulsão por limpeza na pandemia de Covid-19 são muitos. Por outro lado, inúmeros hobbies estão sendo deixados de lado, dando espaço à monotonia e ao surgimento de pensamentos negativos. É necessário que as pessoas passem a buscar atividades interativas que ocupem esse tempo e proporcionem prazer. Além do mais, as interações sociais, mesmo que virtuais, podem ser extremamente benéficas para a saúde mental.
Quando procurar ajuda?
A busca por ajuda profissional pode ser necessária, principalmente quando o indivíduo passa a sofrer com os sintomas físicos dessas doenças, ou perceba que está adquirindo os maus hábitos como a compulsão alimentar e até mesmo o uso excessivo de álcool. A telemedicina está sendo amplamente exercida no Brasil diante da pandemia, por isso, o paciente não precisa sair do conforto da sua casa para receber orientações de um psicólogo ou psiquiatra. A psicologia pode ser uma alternativa muito saudável para aliviar a carga emocional carregada diariamente. Quando necessário, esse profissional pode encaminhar o paciente à psiquiatria, para que um tratamento por intermédio de medicamentos seja realizado.
Terapias alternativas
Além da terapia convencional, inúmeras outras alternativas de maximizar a saúde mental estão disponíveis até mesmo na internet. A ioga e meditação, por exemplo, são algumas das modalidades que podem ser facilmente acessadas por intermédio de aplicativos gratuitos. Além do mais, o convívio com animais, o artesanato e práticas culinárias são atividades que podem ser praticadas em casa para aliviar, e muito, a tensão da pandemia de Covid-19.
Referências
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MINHA VIDA. 12 alimentos para combater a depressão e melhorar o humor. Disponível em: <https://www.minhavida.com.br/alimentacao/listas/13084-12-alimentos-para-combater-a-depressao-e-melhorar-o-humor>.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA. OMS faz alerta sobre o sedentarismo no Brasil. Disponível em: < https://abeso.org.br/oms-faz-alerta-sobre-o-sedentarismo-no-brasil/>.