Em mulheres que apresentam dismenorreia, a prevalência aumenta para 40% a 60%. Atinge de 20% a 30% das mulheres com infertilidade. Os sintomas da endometriose incluem dor pélvica crônica, dismenorreia (dor pélvica durante a menstruação), irregularidade dos ciclos menstruais, dispareunia (dor durante a relação sexual) e infertilidade. Constitui um problema de saúde pública com impacto na qualidade de vida das mulheres afetadas, podendo levar a longos períodos de internação e afastamento social eprofissional, além de gastos excessivamente altos com medicamentos.
Podemos justificar uma associação entre endometriose, uma doença que cursa com comportamento similar às patologias malignas e que cumpre a maioria dos critérios
de uma doença autoimune, e a Vitamina D (VD), um agente antiproliferativo, anti-inflamatório e com propriedades imunomoduladoras. A suplementação de Vitamina D tem sido associada à melhora de escores de dor na dismenorreia primária, devido à interferência na síntese de prostaglandinas. O efeito da Vitamina D no alívio da dismenorreia secundária ou endometriose, dor pélvica crônica, está relacionado à neuro angiogênese.
A Vitamina D, ou colecalciferol, é um hormônio esteroide. Atualmente se sabe que, dentre diversas ações, age de maneira autócrina e parácrina, com funções de inibição da
proliferação celular, promoção da diferenciação celular e regulação imunológica. As propriedades imunorreguladoras da Vitamina D têm sido cada vez mais bem caracterizadas.
Vários mecanismos têm sido propostos para explicar a participação da Vitamina D na fisiologia do sistema imunológico. Dentre as principais funções da Vitamina D no sistema imunológico, podemos destacar regulação da diferenciação e ativação de linfócitos CD4; aumento
do número e função das células T reguladoras (Treg); diminuição da produção das citocinas interferon-g, IL-2 e TNF-α, a partir de células Th1 e estímulo da função células Th2 helper; inibição da produção de IL-17 a partir de células Th e estimulação de células T NK. A endometriose é uma patologia estrógeno-dependente, e o estrogênio e a progesterona são reguladores cruciais do tecido endometrial. Estima-se que cada um desses hormônios regula a expressão de centenas de genes durante as várias fases do ciclo menstrual.
O endométrio eutópico torna-se atrófico em resposta à progesterona (como o dienogeste), administrada por períodos prolongados ou em resposta a contraceptivos orais que contenham progestágeno. O tratamento com progestágeno, no entanto, não garante que o tecido endometriótico pare de proliferar. Localizações ectópicas são fundamentalmente diferentes do endométrio eutópico em relação à produção de citocinas e prostaglandinas, biossíntese e metabolismo de estrogênio e resposta a progestinas. Existem diferenças moleculares substanciais no que se refere à resposta a progesterona, entre os dois tecidos, em mulheres sem e com endometriose. Existem 2 tipos de receptores estrogênicos: α e β. O receptor de estrógeno β age como um fator de transcrição que se associa aos promotores de genes responsivos ao estrógeno por via direta de ligação ao DNA, ou por ligação a outros fatores de transcrição.
Esta interação leva ao início da transcrição de genes estrógeno-específicos, os quais promovem a síntese de RNAm e proteínas específicas. O PGR (receptor de progesterona) é um de muitos genes E2 responsivos.
Em adição, este hormônio age no endométrio eutópico e células do estroma para promover resposta endometrial à progesterona. Em contraste, níveis de RNAm e proteínas induzidas pelo receptor de progesterona não estão elevados em biópsias de tecido endometriótico expostos a altos níveis de E2 (estradiol) durante a fase proliferativa tardia ou em células endometrióticas tratadas com E2, indicando que a indução da expressão de PGR por E2 é interrompida.
Acredita-se que mecanismos complexos que envolvem a regulação dos promotores podem ser responsáveis pelas anormalidades observadas na expressão dos genes ESR1, ESR2 e PGR na endometriose. Em células endometrióticas, o promotor de ESR2 está hipometilado podendo elevar os níveis do receptor ER β. Este receptor estrogênico β suprime a expressão do gene ESR1 resultando em níveis aumentados de apenas um dos receptores nas células endometrióticas. Especula-se que baixos níveis de ER α em relação aos de ER β poderiam causar uma mudança na estimulação de E2 e na expressão de PGR. Este mecanismo poderia elucidar as questões envolvendo a etiologia da deficiência de PGRB (receptor de progesterona B) nas células endometrióticas, o que, por sua vez, causaria resistência aos tratamentos com progesterona nas mulheres portadoras da doença endometriose. Acredita-se que a perda de expressão de PGRB no estroma das células endometrióticas modificaria as interações estromaepitélio causando alterações nas células epiteliais, deficiência de 17β-hidroxiesteroide desidrogenase-2 e resistência à progesterona. Diversos pesquisadores concordam que existem níveis significativamente mais altos de ER β e menores de ER α em tecidos endometrióticos quando comparados com o endométrio normal. Além disso, os níveis de ambas as isoformas do receptor da progesterona, especialmente o B (PGRB), são significativamente menores nos tecidos endometrióticos. Progestinas têm sido amplamente utilizadas no tratamento da endometriose. No entanto, 9% das mulheres não respondem ao tratamento. Considerando estes fatos, Wu et al., em 2006, buscaram esclarecer as razões da resistência à progesterona e demonstraram que a região promotora do gene PGR, especificamente a isoforma B, está hipermetilada na endometriose quando comparada aos controles. Adicionalmente, a expressão de PGRB foi consideravelmente reduzida no endométrio ectópico. Dessa forma, os autores sugeriram que a resistência à progesterona na endometriose, em geral, é devida à hipermetilação do promotor de PGR. Esta metilação é uma das consequências das mudanças epigenéticas inerentes à doença. A Vitamina D regula a expressão de numerosos genes, inclusive genes associados com esteroidogênese de hormônios sexuais em tecidos reprodutivos femininos. Os estudos prévios de seres humanos e animais demonstraram que os níveis da Vitamina D baixos se associam com a fertilidade reduzida. Além disso, observou-se que os níveis séricos de 25 (OH) vit D3 se associam inversamente com a endometriose. O papel da Vitamina D no desenvolvimento e na progressão da endometriose também foi extensivamente investigado em modelos experimentais (animais).
Abbas et al. constataram que a regressão de implantes endometrióticos ocorreu com uso de Vitamina D3 em ratas. Recentemente, Yildirim et al. demonstraram a regressão de endometriose em ratas tratadas com Vitamina D bem como evidenciaram modificações no fator de crescimento endotelial vascular, matriz metaloproteinase, dentre outros. Os polimorfismos localizados em genes que codificam proteína mediada pela Vitamina D podem ser fatores de risco de endometriose e infertilidade. Os resultados do presente estudo demonstraram que VDRs não foram fatores de risco separados da infertilidade endometriose-associada. Agic et al. evidenciaram expressão significativa do receptor de Vitamina D e de 1α hidroxilasenos focos endometrióticos do que no endométrio eutópico. Borkowski et al. constataram os níveis baixos de Vitamina D no fluido peritoneal de pacientes com endometriose, quando comparadas às mulheres saudáveis. E observaram que a proteína ligante de Vitamina D encontrava-se em nível elevado no mesmo fluido peritoneal. O Nurses’ Health Study II, iniciado em 1989, apresentou um segmento com 70.556 participantes em estudo prospectivo (1991-2005), analisando a dieta rica em Cálcio, Magnésio e Vitamina D, e sua relação com endometriose. Destas participantes, 1.129 mulheres tinham endometriose, confirmada por videolaparoscopia. A conclusão foi de que a ingesta de Vitamina D melhorou a resposta clínica de forma significativa. Em suma, os estudos de modo geral demonstram que a Vitamina D pode prevenir a progressão da doença e que o nível sérico mais baixo de VD foi associado à endometriose. Portanto, os suplementos de VD devem ser explorados como uma nova estratégia terapêutica para o manejo da doença.
Probióticos, prebióticos e simbióticos
Os probióticos, prebióticos e a combinação de ambos, os simbióticos, destacam-se entre as estratégias nutricionais, uma vez que têm apresentado ações eficazes na prevenção e tratamento das DCNT (doenças crônicas não transmissíveis). Prebióticos são oligossacarídeos não digeríveis, tais como fruto-oligossacarídeos, lactulose e inulina, que têm o potencial para estimular o crescimento de bactérias intestinais benéficas seletivas, principalmente lactobacilos e bifidobactérias. Já os probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. E os simbióticos são alimentos contendo simultaneamente probióticos e prebióticos, resultando em produtos com as características funcionais dos dois grupos. Diversos efeitos são atribuídos aos simbióticos, entre os quais redução de citocinas pró-inflamatórias, melhora do sistema imunológico, diminuição das infecções intestinais, aumento da massa magra e redução da massa gorda. Estudos também têm apontado efeitos sinérgicos positivos de simbióticos sobre a obesidade, DM tipo 2, resistência insulínica e doenças ginecológicas inflamatórias, como síndrome de ovários policísticos e endometriose, uma vez que essas DCNT são caracterizadas por microbiota intestinal alterada, inflamação e alteração da permeabilidade intestinal, perpetuando o quadro.
Identificou-se que o consumo de alimentos probióticos diminuiu a resistência à insulina e a marcadores inflamatórios. Já o consumo de prebióticos, além dos seus efeitos sobre a diminuição da absorção de colesterol, contribuiu para o equilíbrio da flora intestinal.
Assim, a modulação da flora intestinal tem sido considerada como um alvo potencial para prevenção do status inflamatório. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária recomenda o consumo diário de 3 gramas de prebióticos e produtos que contenham uma quantidade mínima de 108 a 109 Unidades Formadoras de Colônias de probióticos. Todavia, para potenciais efeitos benéficos desses, o consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e a hábitos de vida saudáveis. Em suma, ainda são necessários mais estudos clínicos randomizados e duplo-cegos que comprovem a maioria dos benefícios sugeridos pela literatura nas outras DCNT.
Para que o estrogênio em excesso seja devidamente eliminado do organismo nas portadoras de endometriose, é preciso que a flora intestinal esteja preservada e que o intestino esteja funcionando corretamente. Na constipação intestinal, por exemplo, as bactérias patogênicas liberam enzimas que permitem que o hormônio que seria eliminado seja reabsorvido pelo corpo (ressíntese do estrogênio). A correção da disbiose intestinal, segundo Christiane, também reduz a hiper permeabilidade da mucosa intestinal e evita a reabsorção do estrogênio. Algumas dicas da nutricionista para corrigir esse problema incluem o consumo de probióticos (as chamadas “bactérias do bem”, como os lactobacilos) e prebióticos (alimentos ricos em inulina e fruto-oligossacarídeos que “alimentam” as bactérias do intestino), além de adequações na mastigação e na hidratação.
O uso do simbiótico pode promover aumento do número de bifidobactérias, controle glicêmico, redução da taxa de colesterol sanguíneo, balanceamento da microbiota intestinal que auxilia na redução da obstipação e/ou diarreia, melhora da permeabilidade intestinal e estimulação do sistema imunológico. As indicações clínicas destes produtos têm sido ampliadas, com intuito de maximizar as funções fisiológicas individuais para possibilitar o incremento da saúde. Assim, com o interesse elevado no controle clínico e nutricional das doenças, muitos estudos já foram realizados comprovando a eficácia do uso de simbióticos na melhora ou prevenção de doenças diversas e de sintomas gastrointestinais. Os simbióticos comportam-se de forma diferenciada e positiva nas mais variadas situações patológicas e têm grande importância na endometriose devido a sua ação anti-inflamatória, devendo fazer parte da terapêutica mais abrangente. As informações contidas nesse material destinam-se meramente a atualização científica.
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