Caso Clínico:
MFS, primigesta, 32 anos, 16 semanas de gestação, comparece à consulta de pré-natal para avaliação de rotina, casada, secretária, brasileira, natural e procedente de São Paulo. Sem queixas significativas, não apresenta histórico de doenças crônicas, além de um IMC 32kg/m2 (Peso: 78 kg /1.56m). Segue dieta balanceada desde o início da gravidez. Apresenta sinais vitais estáveis e útero compatível com a idade gestacional.
Os resultados dos exames laboratoriais solicitados em consulta inicial revelam níveis séricos de (25-OHD) abaixo dos valores de referência. Todavia, tem exposição solar limitada devido a seu trabalho em ambiente fechado durante a maior parte do dia.
Discussão:
As fontes de obtenção de vitamina D são a cutânea endógena, mediante a conversão do 7 de- hidrocolesterol (7-DHC) na pele, e a exógena pela ingesta de alimentos com alta concentração dessa vitamina1. Devemos considerar que MFS tem exposição solar limitada devido a seu trabalho em ambiente fechado durante a maior parte do dia, o que limita a produção cutânea da vitamina.
A dieta provém cerca de 10 a 20% das necessidades orgânicas de vitamina D, e as principais fontes alimentares são o óleo de fígado de bacalhau e peixes gordurosos (salmão selvagem, atum, cavala). Assim, a suplementação pode ter participação uma fundamental nas concentrações necessárias para o organismo, uma vez que nem sempre a produção cutânea é suficiente para manter os níveis de vitamina D adequados2.
A alta prevalência de hipovitaminose D em mulheres é demonstrada em estudos epidemiológicos.
A FEBRASGO3 e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) 4 recomendam a suplementação de vitamina D durante a gestação. Meta-análise que avaliou 30 estudos, num total de 7.033 mulheres, concluiu que a suplementação com vitamina D isolada em comparação às mulheres que receberam placebo ou nenhuma intervenção, provavelmente reduziu o risco de pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, baixo peso ao nascer e pode reduzir o risco de hemorragia pós-parto grave5. A deficiência de vitamina D foi também associada à depressão na gestação e no pós-parto.6 Entretanto, a Organização Mundial de Saúde recomenda a sua prescrição apenas na deficiência comprovada em gestantes de risco7.
A SBEM5, recomenda a avaliação laboratorial das concentrações de vitamina D [25-hidroxi- colecalciferol (25-OHD)] apenas para grupos de risco para a hipovitaminose, dentre os quais encontram-se as grávidas e as lactentes.
A Endocrine Society sugere suplementação empírica, sem a pesquisa prévia das concentrações de (25-OHD), dado o seu potencial para reduzir o risco de pré-eclâmpsia, mortalidade intrauterina, parto prematuro, pequeno para a idade gestacional e mortalidade neonatal. Nos ensaios clínicos revisados pela diretriz, as doses diárias variaram de 600 a 5.000 UI, com média de 2.500 /dia8.
Apesar das controvérsias, a suplementação parece melhorar os resultados materno-infantis. Não há consenso na literatura quanto à posologia a ser administrada durante a gestação.
Para gestantes saudáveis e assintomáticas, em geral, as doses recomendadas para a suplementação variam entre 400 e 600 UI /dia. Entretanto, grande parte dos especialistas concorda que doses diárias entre 1.000 a 2.000 UI são seguras, a partir do segundo trimestre de gestação. Na presença de insuficiência de vitamina D são recomendadas doses diárias mais elevadas, entre 4.000 e 6.000 UI para o tratamento.
O uso da vitamina D, nas doses recomendadas, mostra segurança. Válido lembrar que durante a gestação, o tratamento com doses mais elevadas de vitamina D deve ser diário. As concentrações de (25-OHD) do feto, possuem íntima correlação com as da gestante. A placenta possui a enzima 1-alfa-hidroxilase e, portanto, tem a capacidade de converter (25-OHD) em calcitriol, a forma ativa da vitamina D. Esta produção é substrato dependente e por esse motivo, recomenda-se que, durante a gestação, seja evitado o uso de doses maiores semanais ou mensais, uma vez que não há consenso nos estudos quanto aos efeitos no feto dos níveis elevados de calcitriol 5.
Segundo a SBEM5 as doses diárias variam conforme a idade materna (Tabela1). O limite diário superior seguro para a vitamina D foi estabelecido em 4.000 UI pelo Institute of Medicine (IOM) e adotado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)4.
Tabela 1 Doses de manutenção diárias de vitamina D recomendadas
Grupo de risco |
Faixa Etária |
Dose diária (UI) |
Gestantes |
14–18 anos |
600–1.000 |
Gestantes |
> 18 anos |
1.500–2.000 |
A FEBRASGO4 recomenda:
1. Suplementação oral de vitamina D para todas as mulheres, a partir da 12ª semana de gestação;
2. As doses recomendadas sem a necessidade de quantificar as concentrações de 25(OH)D: entre 400 UI/dia e 2.000 UI/dia
3. Gestantes sintomáticas ou com deficiência documentada podem receber, com segurança, até 000 UI/dia
Estudo, baseado em coorte de 4.334 nascimentos, mostrou que a deficiência de (25-OHD) presente entre 18 e 25 semanas de gestação, se relacionou a risco aumentado para transtorno do espectro autista (TEA) diagnosticado entre seis e nove anos de idade [odds ratio (OR) = 2,42; intervalo de confiança de 95% (IC) 1,09–5,07; p = 0,03]9.
Este caso clínico ilustra a importância da avaliação e correção da deficiência de vitamina D em gestantes, visando garantir uma gestação saudável com níveis adequados de vitamina D e prevenir possíveis complicações relacionadas à deficiência. Vale lembrar que de acordo com a SBEM podemos considerar na avaliação laboratorial da (25-OHD)10:
- Maior do que 20 ng/mL é o desejável para população geral saudável;
- Entre 30 e 60 ng/mL é o recomendado para grupos de risco como idosos, gestantes, pacientes com osteomalácia, raquitismos, osteoporose, hiperparatireoidismo secundário, doenças inflamatórias, doenças autoimunes e renal crônica e pré- bariátricos;
- Entre 10 e 20 ng/mL é considerado baixo com risco de aumentar remodelação óssea e, com isso, perda de massa óssea, além do risco de osteoporose e fraturas;
- Menor do que 10 ng/mL muito baixa e com risco de evoluir com defeito na mineralização óssea, que é a osteomalácia, e
Conclusão:
É importante ressaltar que a avaliação de vitamina D deve ser determinada pelo médico que acompanha a gestante, levando em consideração fatores como os níveis séricos (25-OHD), a saúde geral da mulher, possíveis comorbidades e medicamentos em uso.
Mulheres obesas e com sobrepeso tendem a ter níveis séricos de (25-OHD) mais baixos de vitamina D, necessitando de suplementação até três vezes maior do que a dose recomendada para indivíduos com peso corporal normal11
A decisão em prescrever dose mais elevada de vitamina D durante a gestação é feita com base na avaliação e interpretação individual pelo obstetra.
Referências Bibliográficas
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2Holick MF. Vitamin D: evolutionary, physiological and health perspectives. Curr Drug Targets. [serial online]. 2011[cited 26 Jun. 2024];12(1):4-11. Available from: https://www.researchgate.net/publication/46008214_Vitamin_D_Evolutionary_Physiological_and_Healt h_Perspectives/link/56ab528a08aed5a0135ba32a/download?_tp=eyJjb250ZXh0Ijp7ImZpcnN0UGFnZSI6I nB1YmxpY2F0aW9uIiwicGFnZSI6InB1YmxpY2F0aW9uIn19
3 Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). A importância da vitamina D na saúde da mulher. [online]. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2017. Disponível em: https://sogirgs.org.br/area-do-associado/a-importancia-da-vitamina-d-na-saude-da-mulher.pdf
4 Maeda SS, Borba VZ, Camargo MB, et al.; Brazilian Society of Endocrinology and Metabology (SBEM). Recommendations of the Brazilian Society of Endocrinology and Metabology (SBEM) for the diagnosis and treatment of hypovitaminosis D. Arq Bras Endocrinol Metabol. [serial online]. 2014 [cited 26 Jun. 2024];58(5):411-33. Available from: https://www.scielo.br/j/abem/a/fddSYzjLXGxMnNHVbj68rYr/?format=pdf&lang=en
5 Palacios C, Kostiuk LK, Peña-Rosas JP. Vitamin D supplementation for women during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. [serial online]. 2019 [cited 26 Jun. 2024]; Jul 26;7(7). Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6659840/pdf/CD008873.pdf
6Aghajafari F, Letourneau N, Mahinpey N, Cosic N, Giesbrecht G. Vitamin D Deficiency and Antenatal and Postpartum Depression: A Systematic Review. Nutrients. [serial online]. 2018. [cited 26 Jun. 2024]; 12;10(4):478-93. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5946263/pdf/nutrients-10-00478.pdf
7World Health Organization (WHO). WHO antenatal care recommendations for a positive pregnancy experience: Nutritional interventions update: Vitamin D supplements during pregnancy. [serial online]. Geneva: WHO Guidelines Approved by the Guidelines Review Committee; 2020. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560398/pdf/Bookshelf_NBK560398.pdf
8 Demay MB, Pittas AG, Bikle DD, et al. Vitamin D for the Prevention of Disease: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. [serial online]. 2024 [cited 26 Jun. 2024]; Published
online June 3. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5946263/pdf/nutrients- 10-00478.pdf
9 Vinkhuyzen AA, Eyles DW, Burne TH, Blanken LM, Kruithof CJ, Verhulst F, et al. Gestational vitamin D deficiency and autism spectrum disorder. BJPsych Open. [serial online]. 2017 [cited 26 Jun. 2024]; 3(2):85-90. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5385921/pdf/bjporcpsych004077.pdf
10 Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da SBEM. Vitamina D: Novos valores de referência. 2017. Available from: https://www.endocrino.org.br/vitamina-d-novos-valores-de-referencia/
11 Giustina A, Bilezikian JP, Adler RA, et al. Consensus Statement on Vitamin D Status Assessment and Supplementation: Whys, Whens, and Hows. Endocr Rev. Published online April 27, 2024. doi:10.1210/endrev/bnae009. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38676447/