Página inicial > Myralis Class > Artigos > deficiência de vitamina b12 na gastroenterologia, sbad 2024

Deficiência de Vitamina B12 na gastroenterologia, SBAD 2024

 

 

A vitamina B12, também chamada de cobalamina, é uma vitamina essencial para o perfeito funcionamento de diversas funções metabólicas, tais como a síntese de ácidos graxos, aminoácidos e nucleotídeos. Um fato relevante é que esta vitamina não é produzida pelo corpo humano e deve ser obtida através de alimentos de origem animal, como carne vermelha, peixes e ovos1-4.

 

       Apesar de dados epidemiológicos acerca da deficiência de vitamina B12 na população em geral ainda serem limitados, algumas condições específicas são bem estabelecidas e disseminadas, como nos casos de pacientes bariátricos ou veganos. Estudos demonstram que a prevalência desta deficiência é de aproximadamente 20% na população geral em países industrializados. O estudo NHANES, realizado entre 2007 e 2018, mostrou uma prevalência de insuficiência de B12 (<300 pg/mL) na população adulta (12,5%) e idosa (12,3%), além da prevalência de deficiência de vitamina B12 (<200 pg/mL) de 3,6% e 3,7%, respectivamente5.

 

       Um dos fatores críticos sobre a deficiência desta vitamina está ligada à sua absorção, que depende do fator intrínseco (FI), produzido no estômago, para que a absorção ocorra de forma satisfatória no intestino, principalmente no íleo terminal3,6. Assim, diversas condições podem comprometer essa absorção, como doenças gástricas, uso prolongado de medicamentos que alteram a acidez gástrica, doenças intestinais, como a doença de Crohn, e cirurgias bariátricas1,2.

Quadro 1: Causas de deficiência de vitamina B12.

Condições que causam deficiência de vitamina B12 e suas bases patogênicas associadas

•   Anemia perniciosa: absorção insuficiente causada por deficiência de fator intrínseco (geralmente devido a doença autoimune).

•   Doença gástrica ou cirurgia (gastrectomia parcial ou completa ou cirurgia de redução gástrica): deficiência de fator intrínseco.

•   Gastrite atrófica crônica: a B12 não é liberada da matriz alimentar devido à insuficiência de ácido clorídrico e baixa atividade da pepsina.

•   Ingestão de medicamentos que afetam a secreção de ácido gástrico ou o pH gástrico (por exemplo: inibidores da bomba de prótons, antagonistas do receptor de histamina 2 e antiácidos): a B12 não é liberada da matriz alimentar devido à insuficiência de ácido clorídrico e baixa atividade da pepsina

•   Doença pancreática ou pancreatectomia: a B12 não é liberada do complexo haptocorrina devido à atividade insuficiente da enzima pancreática

•   Outras doenças intestinais (Crohn, Síndrome do intestino irritável, Celíaca), ressecção ileal, infestações parasitárias e supercrescimento bacteriano: absorção prejudicada do complexo B12-fator intrínseco

•   Medicamentos que afetam a absorção ou metabolismo de B12: redução dos níveis séricos de B12 por meio de mecanismos conhecidos (por exemplo, colestiramina) e mecanismos desconhecidos (por exemplo, metformina)

•   Fatores alimentares como desnutrição geral, dieta vegetariana ou vegana e alcoolismo crônico: consumo reduzido de B12

•   Distúrbios hereditários: diminuição da expressão, atividade de ligação ou afinidade de receptores e proteínas envolvidas no tráfego e metabolismo de B12

•   Diversos: incluindo infecção por HIV e anestesia com óxido nitroso

Fonte: Adaptado de Green et al., 2017.

 

Grupos de risco incluem idosos, vegetarianos, veganos, gestantes, pacientes bariátricos e usuários de metformina ou inibidores de bomba de prótons7.

 

Quadro 2: Grupos de risco para deficiência de vitamina B12.

•   Vegetarianos e veganos;

•   60 anos ou mais;

•   Mulheres grávidas;

•   Pacientes bariátricos;

•   Usuários de medicamentos que reduzem a acidez produzida pelo estômago;

•   Usuários de medicamentos para diabetes, como metformina;

•   Pacientes com doença de Crohn, retocolite ulcerativa, doença celíaca ou síndrome do intestino irritável;

•   Mulheres com histórico de infertilidade e aborto espontâneo;

•   Imunossuprimidos;

•   Mielopatia;

•  Esclerose múltipla.

Fonte: Nogueira-de-Almeida et al., 2023.

 

Desta forma, qualquer condição que altere a homeostase do trato gastrointestinal (TGI) pode resultar na redução da absorção desta vitamina, tais como uso prolongado de medicamentos que afetam a secreção de ácido gástrico ou o pH gástrico, como os inibidores de bomba de prótons (como os inibidores da bomba de prótons – IBP’s: omeprazol, pantoprazol, dexlanzoprazol, esomeprazol; os bloqueador ácido competitivo de potássio – PCAB’s, como a vonoprazana; antiácidos, entre outros), fato este que colocam estes pacientes no grupo de risco para deficiência da vitamina B121,2,7.

 

Os pacientes em uso de IBP’s por mais de 2 anos tiveram um risco 65% maior de deficiência de vitamina B12 quando comparados aos não usuários. Vale ressaltar que esse risco relativo aumentado de deficiência de B12 aumentaria a prevalência de deficiência de vitamina B12 nessa população (50 anos) de 2,3% para 3,8%8.

 

Outras condições clínicas, tais como a doença de Crohn, a síndrome do intestino irritável e a doença Celíaca, também podem ser consideradas como fatores de risco para deficiência de B12, uma vez que há alterações no TGI que interferem na absorção de vitamina B12. Estudos mostram prevalências aumentadas da deficiência de vitamina B12 nesta população, variando de 16 a 33%9,10.

 

Dentre todas as condições citadas, os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica são os mais propensos a desenvolverem deficiências severas desta vitamina. A deficiência de B12 observada em pacientes com Roux em Y é estimada em 64%, mostrando o impacto que este procedimento pode acarretar à vida destes pacientes11.

 

As consequências desta deficiência podem resultar em anemia megaloblástica, neuropatias, alterações cognitivas e, em casos graves, degeneração medular. O diagnóstico é geralmente feito pela dosagem sérica de B12, embora até 40% dos pacientes com deficiência possam apresentar níveis normais da vitamina. Em casos suspeitos, testes adicionais, como a medição de ácido metilmalônico e homocisteína, podem ser necessários1,2,12,13.

 

Quadro 3. Consequências e sintomas da deficiência de vitamina B12 ou baixo nível de vitamina B12*

Sintomas de deficiência de B12 em bebês:

• Dificuldades de alimentação

• Regurgitações

• Constipação

• Apatia

• Irritabilidade

• Espasmos, tremores e espasmos mioclônicos

• Crescimento lento, circunferência da cabeça pequena e lesões cerebrais

• Atraso no desenvolvimento, incluindo desenvolvimento motor bruto reduzido, sorriso e balbucio

• Pancitopenia

 

Consequências do baixo status materno de B12 ou deficiência em bebês:

• Defeitos do tubo neural relatados em bebês de mães com baixo status de B12 em populações fortificadas e não fortificadas com ácido fólico

• Efeitos no desenvolvimento infantil, incluindo nanismo, atrofia cerebral, hipotonia, letargia, atrasos no desenvolvimento e eletroencefalograma anormal

• Contribuição para doenças cardiovasculares em adultos, distúrbios neurodegenerativos e doenças psiquiátricas por meio do aumento dos níveis de homocisteína circulante

• Contribuição para o desenvolvimento de diabetes mellitus por meio de efeitos no metabolismo da insulina e lipídios

Sintomas de deficiência de B12 em crianças mais velhas:

• Desempenho escolar mais baixo

• Peso reduzido

• Altura e circunferência da cabeça reduzidas

• Anemia macrocítica

• Peso normal ou aumentado

• Valores hematológicos normais

• Desenvolvimento mental e social prejudicado, memória de curto prazo e atenção

 

 

 

Consequências do baixo status ou deficiência de B12 em adultos:

• Anemia megaloblástica ou anemia macrocítica

• Degeneração combinada subaguda da medula espinhal

• Função sensorial e nervosa periférica prejudicada

• Comprometimento cognitivo

• Depressão

• Doença óssea

• Perda auditiva

• Degeneração macular

 

 

A gravidade da deficiência de vitamina B12 varia e é definida nas referências de origem.

*Os dados são derivados de várias fontes.

Fonte: Adaptado de Green et al., 2017.

 

Embora variáveis, os níveis séricos amplamente aceitos pelas diferentes sociedades são7,14:

 

Quadro 4. Níveis séricos de vitamina B12 e respectivas classificações e interpretações

> 300 pg/mL

Normal

Não necessita de testes adicionais ou suplementação

200-300 pg/mL

Indeterminado

Deficiência possível, necessidade de testes adicionais

< 200 pg/mL

Baixo

Não necessita de testes adicionais, indicada investigação da causa e suplementação de B12

Fonte: Adaptado de Devalia et al., 2014

 

 

       O tratamento da deficiência varia conforme a gravidade e a causa subjacente. A terapia oral é geralmente preferida por ser menos dolorosa e mais conveniente para os pacientes, embora a administração intramuscular possa ser necessária em casos de absorção comprometida. A duração do tratamento depende da gravidade dos sintomas e da resposta clínica, com a maioria dos pacientes apresentando melhora após 4 a 8 semanas de tratamento7,11.

 

       No Brasil, diretrizes recomendam o monitoramento regular dos níveis de B12 em pacientes de risco, especialmente aqueles que utilizam inibidores de bomba de prótons ou foram submetidos a cirurgias bariátricas15,-17. Embora a deficiência de vitamina B12 seja prevalente em populações de risco, a triagem e o tratamento adequados podem prevenir complicações graves, algumas vezes irreversível, além de melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes.

 

       A vitamina B12 é geralmente segura, com raros relatos de efeitos adversos. Em excesso, ela é excretada por via renal, sendo o tratamento profilático recomendado para pacientes em risco de deficiência7.

 

Referências:

  1. Green R. Vitamin B12 deficiency from the perspective of a practicing hematologist. Blood. 2017;129(19):2603-11.
  2. Green, R., Allen, L. H., Bjørke-Monsen, A. L., Brito, A., Guéant, J. L., Miller, J. W., ... & Yajnik, C. (2017). Vitamin B12 deficiency. Nature reviews Disease primers, 3(1), 1-20.
  3. Minigh, Jennifer. 2007. “Vitamin B12”. In XPharm: The Comprehensive Pharmacology Reference, organizado por S. J. Enna e David B. Bylund, 1–6. New York: Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-008055232-3.62856-9.
  4. Sobczyńska-Malefora, Agata, Edgard Delvin, Andrew McCaddon, Kourosh R. Ahmadi, e Dominic J. Harrington. 2021. “Vitamin B12 status in health and disease: a critical review. Diagnosis of deficiency and insufficiency – clinical and laboratory pitfalls”. Critical Reviews in Clinical Laboratory Sciences 0 (0): 1–31. https://doi.org/10.1080/10408363.2021.1885339.
  5. Zhou, Y., Wang, A., Yeung, L. F., Qi, Y. P., Pfeiffer, C. M., & Crider, K. S. (2023). Folate and vitamin B12 usual intake and biomarker status by intake source in United States adults aged≥ 19 y: NHANES 2007–2018. The American Journal of Clinical Nutrition, 118(1), 241-254.
  6. Guney, Tekin, Aysun Senturk Yikilmaz, e Imdat Dilek. 2016. Epidemiology of Vitamin B12 Deficiency. Epidemiology of Communicable and Non-Communicable Diseases - Attributes of Lifestyle and Nature on Humankind. IntechOpen. https://doi.org/10.5772/63760.
  7. Nogueira-de-Almeida, C. A., Fernandes, S. L., de Almeida Soriano, E., Lourenço, D. M., Zotarelli Filho, I. J., Junior, N. I., & Ribas Filho, D. (2023). Consensus of the Brazilian Association of Nutrology on diagnosis, prophylaxis, and treatment of vitamin B12 deficiency. International Journal of Nutrology, 16(1).
  8. Nehra, A. K., Alexander, J. A., Loftus, C. G., & Nehra, V. (2018, February). Proton pump inhibitors: review of emerging concerns. In Mayo Clinic Proceedings (Vol. 93, No. 2, pp. 240-246). Elsevier.
  9. Ward, M. G., Kariyawasam, V. C., Mogan, S. B., Patel, K. V., Pantelidou, M., Sobczyńska-Malefora, A., ... & Irving, P. M. (2015). Prevalence and risk factors for functional vitamin B12 deficiency in patients with Crohn's disease. Inflammatory bowel diseases, 21(12), 2839-2847.
  10. Binicier, O. B., & Tosun, F. (2020). Evaluation of adult celiac disease from a tertiary reference center: a retrospective analysis. Revista da Associação Médica Brasileira, 66(1), 55-60.
  11. Shah, M., Simha, V., & Garg, A. (2006). Long-term impact of bariatric surgery on body weight, comorbidities, and nutritional status. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, 91(11), 4223-4231.
  12. Obeid, R., Andrès, E., Češka, R., Hooshmand, B., Guéant-Rodriguez, R. M., Prada, G. I., ... & Vitamin B12 Consensus Panelists Group. (2024). Diagnosis, Treatment and Long-Term Management of Vitamin B12 Deficiency in Adults: A Delphi Expert Consensus. Journal of Clinical Medicine, 13(8), 2176.
  13. Langan, Robert C., e Andrew J. Goodbred. 2017. “Vitamin B12 Deficiency: Recognition and Management”. American Family Physician 96 (6): 384–89.
  14. Devalia, V., Hamilton, M. S., Molloy, A. M., & British Committee for Standards in Haematology. (2014). Guidelines for the diagnosis and treatment of cobalamin and folate disorders. British journal of haematology, 166(4), 496-513.
  15. Pereira, S. E., Rossoni, C., Cambi, M. P. C., Faria, S. L., Mattos, F. C. C., De Campos, T. B. F., ... & Magro, D. O. (2023). Brazilian guide to nutrition in bariatric and metabolic surgery. Langenbeck's archives of surgery, 408(1), 143.
  16. Berti, L. V., Viegas F., Marchesini, C., Boas, M. L. V., Valezi A. C. (2022). Consenso brasileiro do manejo nutricional de pacientes com anemia pós cirurgia bariátrica. Acesso em 12/08/2024 – Disponível em: https://www.sbcbm.org.br/wp-content/uploads/2022/06/Consenso-brasileiro-do-manejo-nutricional-de-pacientes-com-anemia-p%C3%B3s-cirurgia-bari%C3%A1trica.pdf
  17. Moraes-Filho JPP, Domingues G, Chinzon D. Brazilian clinical guideline for the therapeutic management of gastroesophageal reflux disease (Brazilian Federation of Gastroenterology, FBG). Arq Gastroenterol [Internet]. 2024;61:e23154. https://doi.org/10.1590/S0004-2803.24612023-154

,

 

mecobesaúde endócrinosbad endocrinologia